[VIVER É SER OUTRO]

Jordana Machado
2 min readDec 19, 2019

--

Entender o tempo dos tempos e os tempos do tempo.
Esse passar que vai se criando e se acabando
bem debaixo do nariz de cada vivente,
debaixo das saias todas e tuas,
dentro das barrigas,
na cabeceira da coluna da dona ele fez uma casa,
a de cimento dos três porquinhos,
nos coração tudo a casa foi a de vento,
advento de perna pro ar,
frio no estômago,
e o buraco vazio cheio de nada.

E ouço daqui, ouvem de lá, já ninguém segreda.
Seus prantos, os oceanos das suas porcentagens aquáticas,
umedecendo, pra ir inchando,
se avolumar, encharcar,
copiosamente fudido e mal pago na luta contra a força da cabeça,
uma vontade própria em desalinho,
em desgoverno,
desassossego Pessoano.

E quanto mais se escuta aumenta o enxague, a etapa centrifugar dos teus olhos está quebrada, e batem pés ao redor e se anseiam todos em ajudas e sobrevivências, não dá mais pé e regressar é o caminho que o aguacêro apagou.

Aquela noite na sala. Num processo contrário à uma inevitável e esperada desintegração em cacos e gotas, não, veio o avesso oposto surpreendentemente coroando como um recém nascido se chocando em sua gênese com o terror e a supremacia. Então o que se viu foi o dentro, suas costuras e os remendos entre os órgãos, alguns bem mais frankestein que outros, e tanta carne viva ali, um pouco ao centro sua etiqueta. Que estava em branco. Entendemos assim porque nunca foi possível te lavar de todas as merdas do tempo, te fazer durar mais.

Sentou-se e começou o movimento de contrair. Joelho na cabeça, mãos que apertam essa cabeça, braços junto ao corpo com os cotovelos pressionando a barriga. Permitiu-se grunir, juntando tudo no seu próprio centro, sem filtro, sem freio, sem coador, sem repelente. Deixar juntar todos os dejetos, as palavras não ditas já maceradas e purulentas, os dedos apontados, faltas de paciência, tempo, vontade, as meias despareadas, os cinzeiros transbordantes, e por fim aquela cagada, aquela que só você sabe qual foi, a inominável mas não inédita porque depois de tanto tempo a humanidade já vai ficando sem estoque de caminhos sem volta.

E gritou, perguntando o porquê
As coisas são assim, a resposta.
Devastação.
É preciso sair do prédio para implodí-lo.
Respirou, depois de cem dias no inferno.

--

--

Jordana Machado
Jordana Machado

Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

No responses yet