[VENDO DE FORA]
O medo, sentimento primeiro que servia para não nos queimar no fogo recém descoberto, hoje se materializa em dispositivos e serviços e tentativas de construir sensações que nos protejam de um mundo ardendo numa fogueira. Aquecimento global, bronzeamento artificial, a panela esquecida no fogão. Perdemos o controle remoto.
Todos os sentimentos misturados que formam a base do primeiro dia de qualquer coisa. Existe até uma festa mundial aonde todas as pessoas esperam e festejam de novo o início. As cabeças dividem-se em fazer as coisas de uma maneira melhor, ou parar de fazer, ser ou tentar tantas outras, e também há aqueles que não conseguem se decidir por onde começar. Eu era assim.
Sei abrir coco, cozinhar feijão, trocar chuveiro e entortar o polegar direito sem cartilagem. Aos 10 anos Viviane me prendia no quintal da casa porque não queria que eu fosse embora. Achava que eu sabia tudo, mas era só ela que conhecia o jeito de abrir o portão com um grampo de cabelo. Cresci achando que as mulheres de coque eram as mais sábias. Aprendi de um tudo mas fazer silêncio era difícil de cantar e testemunhar. Joguei acerolas na sua janela e você não atendeu. Joguei beterrabas no seu portão e você não atendeu. Me sento na sua estante e troco os livros de lugar, Adélia empurra Fernando que tropeça em Sócrates que não sabe aonde está Cecília e sente saudades. Trinta dias e já é hora de começar o cheiro de fogueira pelo ar. A quadrilha drummondiana poderia me transformar em J. Pinto Fernandes.
Me empresta sua história. Contando você previu, deixou migalhas de pão pra que eu acertasse o caminho. Me ensina seu olhar.