[QUEBRA CABEÇA]

Jordana Machado
3 min readJan 3, 2020

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Me tornei quem eu mais temia: a pessoa que escreve sobre amor. Uma vez alguém disse que tudo é sobre amor. Às vezes é sobre sua ausência, sua demasia, ou sobre seu deterioramento, ou deturpação.

É assim que eu penso: o pior. De todas as interpretações que a complexidade da língua e da interação humana podem possibilitar nesta que é a soma que forma uma bomba prestes a explodir à cada tic tac, é essa que eu escolho. Sempre. Não escolho nem coxinha, nem pão na chapa. O meu de sempre é suco de laranja com pensar que qualquer pessoa, em qualquer situação, vai me achar escrota. E consequentemente é o que passo a achar de mim. É o que sempre achei.

Algum pai diria meu deus onde errei com essa menina? Sempre acreditei nessa menina, nasceu para brilhar. Overdose de estímulo, estimulou demais. Trinta e três anos depois continuo presa na tensão do momento onde tive que esperar o veredito do Jaime, o dono da farmácia, que tinha acabado de me ver imitar a Xuxa. Se ele sorrisse eu ganharia um Chokito. Ele sorriu. Mas nem sempre eu recebi sorrisos de volta. Foi isso que quebrou minha cabeça. Depois foi piorando, porque raramente eu enxergava o sorriso, e a fome foi aumentando.

Passei uma noite inteira pesquisando psicanalistas na internet. Tem que ser psicanalista. Perto de casa, que atenda aos sábados, ou depois das 19h. Não dá mais para adiar. Eu preciso matar o você é perfeita, melhor aluna, vai ser artista, aparecer na TV, ganhar dinheiro, vai ser tudo o que eu não pude ser. Matar o depois que eu comecei a te namorar a minha vida desandou. Matar o você não vai crescer na vida porque você não tem ambição. Matar o você nunca mais vai ser amada assim de novo.

Com mais de 10 abas abertas, constato o show de horror. Uma reclamação de um cara: o psicanalista é louco, não recomendo, disse que a cura para a ansiedade é ganhar na Mega-Sena, esse cuzão deve ter comprado o diploma, que absurdo. Depois veio as fotos dos consultórios. Pois é, alguns lugares publicam fotos das instalações. Interessante. Estranho. Fiquei julgando o bom gosto das decorações. Na primeira sequência de fotos, almofadas em formato de emotions. Na segunda sequência, um quadro com uma foto da Merilyn Monroe em uma das paredes. Fechei o computador. É, o caminho terapêutico é realmente longo. Reabri o computador. Nossa, que achado. Fui fundo, cheguei no currículo Lattes da mulher. Tem que ser mulher. Fui meu pai por um momento: encontrei a terapeuta perfeita.

Abro sua cerveja preferida, a última que você deixou na geladeira. Quem diria, em plena semana, acordada de madrugada, bebendo. Mas estou de férias, com a cara chapada de hormônios e traumas, me dando ao luxo de arregaçar com tudo à minha volta por causa de um Chokito. Fumei dois maços e meio de cigarro em menos de oito horas. Tenho um truque que sempre falha, deve ser por isso que uso ele: em dias sensíveis, costumo deixar o maço bem longe do meu alcance, de modo que eu sinta desconforto toda vez que pense em fumar. Nenhuma distância é segura o bastante pra uma pessoa viciada. Parece que quem fuma teve algum atraso na fase oral. Eu chupava chupeta e me prometeram uma bicicleta se eu parasse. Parei. A bicicleta nunca chegou.

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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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