[QUE AS COISAS CONTINUEM COMO ANTES: EIS A CATÁSTROFE*]

Ao invés de estar fazendo um trabalho acadêmico, comprou um maço de hortelã. E lavando folha por folha, com todo cuidado, com toda a atenção, observando cada detalhe, o cheiro, colocou uma folhinha na boca e mastigou com os dentes da frente, como um ratinho de desenho animado, descobrindo o sabor e a existência natural de algo que só conhecia industrialmente, nas pastas de dente e nas balas.
Ficou surpresa em como se sentiu verdadeiramente concentrada, conectada e satisfeita. Uma espécie de freestyle de mindfulness, diriam.
De repente foi transportada ‘praquela’ rua de terra, todo mundo descalço, latas aonde cada matinho era uma comida diferente, correria, pipas, suor, ‘fulanx-entra-já-pra-dentro’, ‘tcháu gente-até-amanhã’.
Ser adulto é embaçado.
Por mais dias reais como hoje.

— Cadê seu cabelo? Por que cê cortô?
— Ah, cabelo não é uma parte importante do corpo, não serve pra muita coisa, sabe.
— E por que cê tá com essa roupa de menino?
— Quem disse procê que é de menino?
— Ah, é que são parecidas com as minhas, olha. Só que de tamanho maior, porque cê é bem alta, né.
— Cê pode usar saia se quiser. Roupas são só roupas, todo mundo pode usar qualquer uma.
— Seria legal usar saia no calor. Mas meus amigos iam dar risada da minha cara se eu fosse assim pra escola.
— Fê, um dia cê vai aprender a não dar bola pra tudo que te disserem.
— Tá bom. Mas você é bonita!

— Sabe o quê eu queria agora?
— O quê?
— Um sorvete. Acho que tem um pouquinho lá em casa, de menta com chocolate.
— Sabe o quê eu queria agora?
— O quê?
— Beber e chorar com você na sua sacada.
— Amanhã deixo uma toalhinha no meu ombro pra você. E se alguém perguntar o quê estamos fazendo a noite, na sacada, com uma toalha e bebendo cerveja, a gente fala que estamos esperando a carona de uma nave especial Vogon.
— Eu queria!
— Seria legal hein.
— Pow, seria.
— Ir pro espeço, comer no restaurante no fim do universo e ver essa merda toda acabar!
— Mas não dá… eu tenho de ir fazer coisas que inventaram que as pessoas devem fazer.

*frase do filósofo e sociólogo Walter Benjamin.