[QUALQUER COISA DÁ UM GRITO]

Jordana Machado
2 min readApr 1, 2020

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Algo abalou o nosso esconde-esconde. Era a brincadeira preferida de geral e de repente já não queríamos nos esconder. Agora a gente queria ser visto e ver quem era a menina do número 27. Foi isso que aconteceu quando a Marina veio morar na nossa rua.

Quando nos demos conta, já estávamos tirando os tênis pra entrar na casa dela. Experimentando sushi pela primeira vez. Paquerando o irmão mais velho deixando bem claro que, gostávamos tanto de Cavaleiros do Zodíaco que por ele haveríamos de rebatizar o nome da rua para Execução Aurora. Não, Pó de Diamante. Não, Execução Aurora. Pó de Diamante! Execução Aurora! E assim ia.

Pulamos elástico. Tomamos sorvete. Trocamos papel de carta. Escrevemos na última folha de caderno uma da outra. A gente fazia coleção de caneta, e quando a irmã dela mandava alguma do Japão era ualllllll, o nosso cérebro explodia com a mais sincera e ingênua significação de importação adornada com o mais puro cheiro de baunilha.

Uma novidade: eu estudo na mesma sala que a Biba do Castelo Rá-Tim-Bum. O quêeeeee? Não, não pode ser. A incredulidade de quem até sabia que na verdade era uma atriz, mas e daí, a Biba era a Biba, não tinha negócio de atriz, é a Biba gente, a B-I-B-A! A danada provou, chegou com uma foto. Nos abraçamos e vibramos com uma emoção que talvez equivaleria hoje a nossa a Bruna Marquezine retweetou meu bagulho, ou a nossa finalmente tem pão crocante na padaria; aí vai dependendo da sua personalidade.

Então chegou o grande dia: o primeiro beijo da Marina. Nem um Palmeiras e Corinthians, noite de eliminação do BBB ou revolução mobilizou tanta energia e trabalho de base como este marcante acontecimento da periferia de SP dos anos 90. Fomos ali angelicais, cupidos determinados. Era o Tinder raiz em sua mais esplêndida faceta. Ela era mais velha que a gente. Era o fogo no rabo unindo gerações.

Vinte anos se passaram. E mesmo morando uma de frente pra outra, poucas foram as vezes em que nos cruzamos. Essa semana minha mãe anunciou: a Marina botou um monte de planta pra fora, acho que é pra alguém pegar, e nós vamos lá pegar. Fomos lá pegar. Pensei que a coisa seria rápida e discreta, mas estes adjetivos pouco se aplicam quando na companhia da minha mãe e ela mandou um Mariiiiiiiina. Deu um frio na minha barriga. Eu estava prestes a ver de pertinho uma das amigas mais queridas da infância. Ela apareceu timidamente, com uma cara enquarentenada, os velhos olhos que desapareciam a cada risada das tantas que demos.

Ela não estava jogando fora, ela estava doando. Todo mundo escondido dentro de casa, voltei no tempo, era como se a gente tivesse brincando de escode-esconde de novo, 123 Marina! A gente cresceu e percebeu que o mundo pode ser um lugar muito louco. Desejo que o mundo tenha sido bom pra Marina, assim como a gente foi pra ela, e ela pra gente. Balbuciei um oi Marina. A simbologia de ganhar uma planta. Uma coisa bonita e importante que cresce em silêncio.

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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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