[PÃO DE QUEIJO]
Lá nos idos de faz tempo, trabalhei naquele lugar que vende pão de queijo. Certamente deve ter um lugar desse aí na sua cidade. É possível que alguns de vocês nunca tenham ido, ou então nunca mais voltaram por motivos de quase 10 reais o preço de um pão de queijo. Vocês estão loucos? Com 10 reais eu faço 1kg de pão de queijo! alguém diz, alarmado, ciente de sua superioridade diante de fazeres de toda ordem. Toca aqui meu camarada, é isso, é esse tipo de pessoa que você deve elencar em sua lista de pessoas satisfatórias. Não dá pra fazer 1kg de pão de queijo com 10 reais, mas compensa muito testemunhar esse empenho em jogar luz à irracionalidade do modo de produção vigente.
E o boné do uniforme não cabia na minha cabeça, tinha isso também. Então, olha, esse boné não cabe na minha cabeça. Aquele olhar que os patrões costumam mandar, aquele olhar de foda-se, e daí. A gente tinha que usar o banheiro do shopping pra se trocar. O malabarismo que 1,77 de pessoa precisa desempenhar dentro de uma cabine de modo a não pisar com as meias limpas no chão onde 232 milhões de pessoas pisaram. Essa é a cúestão. Ficava olhando o rosto da véia naquele logotipo e pensava: odeio pão de queijo.
Mentira, eu amo pão de queijo. Mas só um não me satisfaz, gosto de quilo. A pessoa chegava e pedia um pão de queijo. Pois não senhora, tome aqui o seu pão de queijo que caiu no chão mas a dona Teresa falou que não tem nada não, bom apetite senhora, isso, a dona Teresa que não quis pagar meu salário e eu disse que se ela não pagasse eu apareceria lá no outro dia com o pessoal da V.S, ao passo que ela pergunta se estou ameaçando ela com alguma facção porque ela acha que onde eu moro tudo diz respeito à facções, de modo que respondo que V.S é Vigilância Sanitária e ela não está de todo errada em relação à facção V.S, o olhão dela se arregalou e em 20min o salário estava no meu bolso, bom apetite senhora. Ficava lá uns 40min comendo o pão de queijo. Também né, por aquele preço, tinha que aproveitar cada pedaço como se fosse o último pedaço de pão de queijo da face da terra.
Tinha também quem chegava e perguntava quanto é. Moça, quanto é o pão de queijo? Essa pergunta machucava a minha pessoa. Quando você está num estabelecimento e os preços não estão expostos, é porque, bem, você está no lugar errado, fazendo a pergunta errada. Joalheria, concessionárias, lojas de grife, funerárias, por exemplo. Existe um abismo entre quem pergunta quanto é e quem pergunta quanto deu. Quanto é, essa pergunta me desconcertava como se eu fosse responsável pelo disparate, pela desmedida. Também me dava medo, havia um receio das consequências coronárias que a resposta poderia desencadear no desavisado em minha frente. A vontade era responder: olha, debaixo da passarela aqui em frente do shopping tem uma banquinha que vende café, pão de queijo, bolo de cenoura, bolo formigueiro, bolo de fubá, de milho, de laranja, todos os bolos do mundo estão lá, então você também vai lá e fala assim pro seu Pedro que você conhece a Jordana, ele vai encher seu copo até transbordar, bota fé. A vontade era responder: olha, é caro, hoje pode até ser dia de pagamento e isso te dá a sensação de que tudo bem você se permitir essa aventura, mas você sabe que daqui duas semanas quando seu cigarro estiver acabando você vai lembrar desses 10 reais mal gastos, e você sabe, eu também sei, que cigarro é bem mais gostoso do que pão de queijo, então reflete aí, já volto aqui.
Lá vem vindo eles, os executivos. Chegam todo dia, em bando, lá pelas 14:30h. Dona Teresa dizia que eram os melhores clientes, e que deveríamos tratá-los muito bem, dando de brinde uma trufa ou um Alpino, e sorrindo. Sorrindo. Tinha uma amiga na loja de biquíni ao lado, e essa parte de sorrir ela reclamava bastante. Muito difícil sorrir com 30 reais na conta, maquiagem escorrendo, uma legging cortando a virilha e a Cláudia Leite cantando nas caixas de som. O barulho da máquina de café, e as xícaras batendo umas nas outras enquanto eram lavadas: se eu me esforçasse um pouco conseguia até achar poético. Pegava o palito de dente pra fazer um desenho na espuma do leite. Desenhava uma foice e um martelo. Apagava e desenhava uma florzinha. Nos primeiros dias um abençoado me perguntou se eu sabia mesmo o que estava fazendo, se eu sabia mesmo tirar café. Querendo ensinar o padre a rezar a missa meu filho, pensei. Entreguei o café sem o Alpino. Eu só dava o brinde pra quem sorria pra mim. Não entra na minha cabeça que alguém não sorria pra você quando você sorri pra ela. Voltava pra casa com os bolsos cheios de Alpino. Engordei uns 4kg nessa brincadeira. Como se eu tivesse comido todos os sorrisos que não me deram. Que delícia.