[PRÓLOGO DE MANHÃZINHA]
Um belo dia resolvi mudar, e fazer tudo o que eu queria fazer. Not today, Rita. Not today. Quem manda em Rita é sua cachorra Nina. É Nina quem determina a hora em que ela deve se levantar, porque se Nina pular da cama e Rita não a seguir, Nina fica tentando pular de volta, podendo ir até as últimas consequências através de uma mijada rancorosa no carpete. As duas descem a escada, e Rita coloca a água para o café.
Pensa no quão parece indelicado e inadequado que os cachorros não tomem café da manhã e já comecem o dia comendo comida de sal. Deu uma mini risada interna com o termo, esse tipo de termo que a gente usa sem saber o motivo, apenas sabendo que ele faz absolutamente sentido no uso da língua viva e cotidiana, e apesar dele ser capaz de gerar uma imagem mental completamente desagradável papilamente gustativamente. Palavras geram imagens. Talvez em algum semestre de Letras seja possível entender isso mais detalhadamente. Ou nunca, somente se cursar Cinema ou Audiovisual. Ou nunca também, uma gugáda pode resolver. Conhecimento adquirido. Vivência das ruas. Notório saber. Não há motivo para culpa ou vergonha. Tem gente na terra plana, tem gente ganhando eleição com robôs.
Sua cachorra acaba o café da manhã de sal e depois nem vai vir um docinho, uma besteirinha assim de sobremesa, adoçar os latidos. Rita não gosta de comer nada doce quando está com fome, acha estranho, seria como desmontar toda a concordância de sua realidade imediata que conta com um esquema que parece ser rígido e de segurança. Mas nem é. Rita só quer um pouco de controle. Só um pouco, não precisa ser muito, não. Não precisa ser controle de anda curva de contágio desgraçada abaixa logo. Pode ser aquele controle de quando o pai deixava ela pegar o volante do carro. Que mal há em posicionar o arranjo de flores exatamente no meio da mesa? Olhar para uma extremidade da mesa, olhar para a outra extremidade, dilatar e contrair a própria pupila como que buscando o ponto exato do foco onde o vaso deve repousar. Achou. Uma ajeitadinha, mais outra, agora sim. Que delícia.
Acaba logo mundo, pode acabar. Mas vê se acaba assim, depois de um momento de prazer. Porque o certo é uma coisa boa, uma ruim, uma boa, uma ruim, alternando, se não for assim é só bagunça que desalinha as únicas obviedades de movimento que alimentamos com tanto esforço.
A água ferveu. Rita foi tomar o café enquanto lia as notícias. Só dava para pensar em tudo isso antes das notícias. Depois das notícias não dá.