[PARABÉNS, NOTA 10]
Bem amigos da rede globo: isso que vocês vão ler agora é um texto pessoal, biográfico, meu id, meu eu lírico e meu animal espiritual cantando pagode na mesa de algum bar no período pré apocalíptico. Antes disso, todos os textos foram pura ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, essa frasezinha sempre passa nos créditos quando acaba aquele capítulo maroto da novela. É isso que dizemos a nós mesmos e aos outros, e tâmo querendo enganar quem? Sempre tem uma coisa nossa lá, sempre tem. Também não é tudo sobre alguém, e eu já disse isso antes: segura a emoção aí meu pacêro, nem tudo é sobre você, e isso aqui não é Discovery Channel ou novela das 8. E se você não vê novela ou BBB porque ainnnnn credo: xiiii, lá vem o intelectualzão. Sai daqui, vai. Me cancela lá no twitter.
De modo a tentar contribuir com algo útil para o mínimo andamento desse caótico planeta, e de modo a ganhar alguns trocos para comprar pão crocante na volta pra casa: eu trabalho em dois lugares. Qualquer semelhança com Julius, de Todo Mundo Odeia o Chris, não é mera coincidência. Sou professora de Gramática na Rede Emancipa, um movimento social de educação popular; e sou auxiliar de classe na educação infantil em uma escola municipal aqui da minha quebrada. É sempre muito curioso pensar nas relações que se estabelecem com as alunas e alunos dos dois lugares bem distintos entre si. Não pretendo aqui realizar uma análise sociológica aprofundada, apenas dividir algumas reminiscências.
Sobre a relação com as crianças, você sabe, nós adultos podemos ser bem autocentrados. Em nossa inocente e opressora cabeça somos os engraçadões, os sabichões, temos a força, damos as ordens. Mas não somos perfeitos, nossa voz e nosso perfume podem incomodar; podemos ficar sem palavras, aquelas que sempre julgamos ter o controle; podemos traumatizar. Uma criança de 4 anos pode tirar um barato tão grande da sua cara a ponto de você ficar corado. Pode tocar tão fundo nas suas emoções a ponto de você constatar eita porra eu tô chorando. Essa daí é a professora? Isso daí é a professora? Isso é roupa de professora, não. Esse cabelo também não é, não. Será que eu tô com o ispríto ruim, que todo dia eu consigo acalmar esses neném e essa semana os coitado tá que só falta pular e sair correndo.
Sobre a relação com os mais velhos, um dia uma aluna disse nossa professora você explica tão bem mas eu não entendo nada. Pensa na minha cara de trôxa, não sabia se ria ou chorava. O não entendimento de uma aluna possui inúmeros fatores determinantes, mas eu, megalomaníaca que sou, peguei a parte que me cabia e meti um áudião de 15min na canela dela. E ela respondeu: nossa professora, você me deu um áudio perfeito, agora eu entendi. Chorei sim, senhoras e senhores. E essa professora aí hein, mano? Professora falando gíria? Professora falando palavrão? Professora que erra? Como assim professora que erra?
Nossa relação com os erros, limitações e imprevistos, tanto os nossos quanto os dos outros, é um bom termômetro pra ver como que tá a temperatura da nossa vaidade e/ou idealização de invencibilidade; e o quão podemos ser diferentes conforme as situações e contextos. Regras, estereótipos, obsessões, tudo caindo morrinho a baixo. Com os pequenos não se pode errar nunca, vocês não conhecem o poder bélico de uma mãe furiosa. Com os grandes, vez ou outra eu erro de propósito, pra nos colocarmos em pé de igualdade, pra conferir algum grau humano durante o dolorido percurso rumo ao pesadelo de ultrapassar o filtro social do vestibular. Metade de nós é Gramática normativa, tem que ser assim e pronto. A outra metade é Linguística viva, que aprecia e compreende, sem julgar.
Junto do “nunca errei”, do “não posso errar” e do “olha, errei, viu que legal, é normal”, existe também a vertente do eita gente errei grandão aqui hein, bicho do céu errei de verdade, sem querer, erro real oficial. Isso aconteceu quando essa semana eu falava com o queridíssimo Brunno Lopez aqui nos comentários e, eitaaaa, escrevi com ‘c’ uma palavra que se escreve com ‘ss’. Fiquei 4 noites sem dormir.