[O QUE É, O QUE É]

Jordana Machado
2 min readJul 15, 2019

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Os sentimentos repetidos são você numa sorveteria colocando todos os sabores na mesma casquinha. Desilusão é perceber-se com a camiseta do avesso. Solidão é procurar alguém segurando uma placa com seu nome no aeroporto. Aguardar respostas que não chegam é como colocar para despertar um relógio com pilhas gastas. Comer sozinho é ser esquecido na porta da escola. Escovar os dentes de manhã é como lavar os cabelos depois de uma longa viagem. Dizer alguma coisa é abrir as janelas de uma casa aonde ninguém morou por muito tempo. Fazer listas é como colocar crachás em crianças saindo de excursão. Medo é se vestir de homem pra ir comprar cigarro de madrugada. Tatuagens são palavras grifadas num livro. A inconstância é uma TV trocando de canal. Expectativa é garrafa de champanhe. Medo é desvirar chinelos. Silêncio é uma janela abrindo e fechando sozinha. Esperança é um varal cheio de roupa num fim de tarde.

Foi então que imaginou os pensamentos das pessoas se dependurando pra fora das cabeças delas. Cada fio de cabelo era alguma coisa que tinha sido pensada. Algumas ideias ficavam enroladinhas sem saber ao certo se saiam ou se era melhor esperar, outras se espetavam pro alto como que fazendo cócegas nos pés do céu; tinha também as que se espraiavam pra baixo, molengas de um lado pro outro pingando gotas na terra.

Entrava sol pela janela do banheiro, e enquanto a água caía era como se as folhas lá fora passeassem pela pele. Ventava um pouco, e o ritmo desse passeio se alternava junto ao jogo de luz. Ficava claro, ficava escuro, que nem dentro da cabeça da gente. A cabeça deveria ser como os ouvidos, você enfiava alguma coisa lá dentro e todo tipo de sujeira iria embora.

Todos os ditados saíram das bocas sem dentes e estamparam as manchetes dos jornais. O dia começou com as mãos no lugar dos pés e foi assim que pela primeira vez o mundo todo viu a vida de cabeça pra baixo. As crianças sorriram e os adultos promoveram uma enchente de refluxo. Coloque seus pés dentro da boca e o resultado será uma cambalhota interna para dar uma volta do lado de dentro. Sempre que toda a gente tiver certezas remaremos pelas ruas tomadas de leite.
Em Brasília, uma hora e setenta e um minutos.
Quebrem seus relógios na hora certa.

Pra quem se pergunta o que é a vida: a vida é o que acontece entre a bad do carnaval com Araketu e a bad de fim de ano com Roberto Carlos.

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Jordana Machado
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Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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