[O POVO GOSTA É DE AMOR]
Andei vendo umas fotos dos seus trabalhos e elas me lembraram um outro trabalho. Talvez você conheça, mas fica aí a lembrança. O mais próximo que cheguei do têxtil foi vendendo minha mão de obra barata numa expedição de tecidos e roupas, mas também vendo minha mãe crochetar. Uma época tentei aprender mas aquelas correntinhas, olha, não é pra qualquer um. Acho lindo.
Expedição é: recebe, organiza e desmembra. Não se transforma aquele material, então não é muito poético, mas em certa medida talvez seja um pouco se a gente achar que tentar colocar as coisas em seus lugares seja um fazer poético. Várias formas de conexão. As letras das palavras escritas até parecem fios. É o meu tipo de conexão preferida. A vida tem sua própria agulha, a danada não nos avisa qual o próximo ponto, se vai ser aberto e ventilado, ou se vai ser correntinha difícil. Ela pega a gente em curvas dominicais.
Existe alguma possibilidade de eu ter te visto na rua, na última quinta-feira, perto daquela avenidona, lá pelas bandas das 21h?
Como não sabia por qual escada você viria, tive que ficar intercalando os olhares, e é óbvio que não havia a menor possibilidade de ficar parada. Eu precisava me mexer pra não correr o risco do meu coração parar de bater de tanto bater. Enquanto caminhava com passos miúdos por ali, era uma espécie de auto massagem cardíaca com os pés. Quando você apareceu eu estava olhando pro lado oposto, aí dei uma mini giradinha, e eu fui o caminho inteiro ouvindo a mesma música, era essa daqui.
Eu teria ido nem que fosse à pé. Hoje pela manhã teve aquele trânsito, peguei a lotação e tinha me esquecido que ela dava praticamente uma volta ao redor do sol, mas valeu à pena, passei grande parte da adolescência indo naqueles bairros, fazia anos que não passava por lá, me veio várias memórias boas, aprendi coisas importantes por aquelas bandas.
Resgatei seu óculos e experimentei ele mais de uma vez. Acho óculos uma coisa bonita, mas é possível que eu também estivesse de alguma forma tentando imaginar como é ver o mundo através dos seus olhos. Depois beijei seus olhos, e aí eu já fico escrevendo essas coisas malucas cheia de ‘ais’ e respirações longas. Puxo o ar e ele não vem.
Também gravei muito a imagem [e as sensações] das suas mãos, possivelmente já consigo reconhecê-la em qualquer lugar. O formato dos dedos, as unhas curtinhas e desgastadas de quem faz arte. Se fosse corporalmente viável creio que a gente teria dormido um dentro do outro, anatomicamente falando, mas compensei isso acoplando minha cabeça na sua escápula e foi como vestir um terno sob medida.
Pode ficar mal acostumado na benção da divindade Araketu. Vô falá o que então da sua mãe? Quê isso. Útero banhado em especiarias da Índia.
Cheguei num nível mais perigoso que o pagode. Cheguei no nível de já estar querendo te entregar a melhor coisa que posso te entregar: o poema mais lindo da face da terra. Não é um qualquer, todos são lindos em suas especificidades, mas esse, esse é simplesmente o mais lindo do universo. Me lembrou a história de um amigo e da companheira dele. Um dia perguntei pra ele como ele soube que gostava mesmo dela. Ele respondeu que um dia ligou pra ela e ela estava assistindo o mesmo desenho que ele. Desculpa, não tem como ler a palavra companheira e não lembrar do-você-sabe-quem.
Quer dizer, eu encaro como séria toda a interação que tenho com pessoas, independentemente do tipo de relação. Eu tenho uma relação séria com a dona de uma vendinha aqui na minha rua, porque veja, como não haveria de ser séria a relação com a pessoa que disponibiliza cigarros pra venda e aí no dia que tu chega lá pra comprar seu cigarro e não tem o que você fuma ela fica toda sentida e dá mil explicações e você, não, tranquilo, não tem problema, mê vê qualquer um aí que seja barato, eu sou pobre, quando a gente tá de boa a gente dá uma esbanjadinha, mas nóis bebe e fuma qualquer coisa, fica tranquila.
Três horas atrás nem nos conhecíamos, agora estamos trocando confidências e poemas.
Essa semana eu achei que ia morrer umas 356 vezes. Estamos na metade do dia e eu já aprendi 2 musiquinhas, consolei 4 choros, joguei futebol, ouvi uma história, presenciei 2 circuitos de educação física, passei filtro solar duas vezes, e pensei em você 796 vezes.
Em uma semana eu já ganhei e comecei a guardar numa caixinha que reservei só pra isso: duas bexigas furadas, o rolamento de um carrinho, uma estrelinha de papel e 3 triângulos cor de rosa.
Guardei porque foi o que chegou. Parece que a gente acaba fazendo isso com tudo nessa vida.
Às vezes a gente desperdiça frio no barriga, como se fôssemos aquelas pás imensas das torres de energia eólica, distribuindo nosso vento e energia para uma cidade vazia. Mas ainda bem que pra cada desperdício há uma chance de se recuperar das jornadas. Não desperdice palavras. Não desperdice água. Uma campanha Sabesp e [des] governo federal.