[O FENÔMENO PSICOSSOCIAL DO RESSENTIMENTO]

Jordana Machado
6 min readJul 31, 2017

--

Como esse sentimento se desenvolve no cotidiano das pessoas?

Para enfrentar as questões políticas e lógicas o sujeito metropolitano age de forma prática, lógica, afastada e superficial. Ou seja, a lógica, a prática, a razão e o cálculo são as ferramentas que dominam a vida mental do sujeito metropolitano, de modo que essa vida mental e subjetiva do sujeito metropolitano é preservada pelo intelecto e pela razão frente aos desafios urbanos.

Na sociedade moderna há uma luta constante para preservar a psique, visando evitar a uniformização e padronização dos sujeitos ocorrida com os avanços tecnológicos impostos e a atribuição intensa de estímulos nervosos. Como mecanismos de defesa, todos os indivíduos metropolitanos e socializados numa sociedade moderna apresentam o distanciamento, frieza, impessoalidade e indiferença como mecanismos de defesa introjetados.

Um dos grandes mecanismos de defesa da vida mental do sujeito metropolitano é a atitude blasé, que se constitui como um entorpecimento das sensações e emoções em relação aos outros e às coisas, nos sujeitos esgotados e indefesos diante dos estímulos nervosos que a vida na cidade impõe.

As transformações da modernidade como industrialização e racionalização interferem no ritmo de vida e no deslocamento, e isso nem sempre significa liberdade pois o processo de distanciamento e aproximação é o que possibilita o indivíduo se individualizar no todo.

A figura do dinheiro como equivalente acaba se alastrando pelas coisas e pessoas, e a troca da qualidade pela quantidade se fixa como a caracterização das coisas e vidas na metrópole, aonde a massificação surge como consequência das relações mediadas pelo dinheiro.

A criação e o desenvolvimento das multidões e da massa influenciam em diversas esferas da vida social, e o indivíduo experencia a homogenização em proximidade com essa aglomeração, e o homem da metrópole desenvolve ferramentas para combater emocionalmente e mentalmente com o contato e a massificação que a cidade determina.

Só é possível viver em uma metrópole com tantos habitantes pois não há uma interação geral entre todas as pessoas e se instala o anonimato, impedindo que as pessoas se atomizem nessa multidão.

O anonimato acontece quando a massa engole as características pessoais e individuais das pessoas e os sujeitos perdem suas identidades no todo, lutando para construir e manter um destaque e um diferencial através de mecanismos mentais que o indivíduo desenvolve para não ter sua individualidade e singularidade prejudicada pelas massas, dessa forma, o sujeito se adapta e se defende das forças exteriores na metrópole num ritmo profundo e intenso.

O ressentimento como esse sentir, é sentido cotidianamente pelo senso comum e é entendido pela dificuldade de se livrar da lembrança e do sentimento de ter se sentido prejudicado e/ou pela impossibilidade de superar algum dano; ou seja, o surgimento do ressentimento acontece quando não são atendidas as demandas, desejos ou exigências do individualismo que se submete ao outro e diante da negação do desejo passa a cobrá-lo, causando a ideia de falta e prejuízo que geralmente é causado por outra pessoa, sendo assim, o outro é a chave do ressentimento que se materializa também como um mecanismo de defesa.

O prefixo ‘re’ da palavra já anuncia que há um retorno e uma constância, aonde o sentimento é vivido novamente e indeterminadas vezes pelo indivíduo. Esse ressentir está acompanhado de rancor, ciúmes, inveja, cinismo e também do desejo de vingança e revanche, que, quando não colocado em prática, acaba por alimentar ainda mais a sensação de injustiça e impotência.

Impedir o impulso de externar o ressentimento forma o que a psicanálise chama de recalque, e o envenenamento psicológico decorrente desta formação faz o indivíduo direcionar para si a descarga e o desconto que não foi apontado para o alvo, prendendo-o na teia do sentimento repetitivo, da acusação e da queixa.

O ressentimento não restitui ou repara o sujeito, do mesmo modo, não compreende que seu problema é coletivo e esconde seu ressentimento, transfigurando-o; e sua luta acaba se tornando o desejo de que o outro reconheça o mal que lhe causou.

A vingança, em conjunto com o ressentimento e sendo seu produto, se difere do silenciamento, da resignação ou da ação de se defender diante de um ataque, pois, a vingança se define diante de um contexto aonde não foi possível se defender no próprio momento da afronta, e se alimenta do período em que transcorre entre a ofensa e a concretização da vingança, tempo este que, nutrido pela raiva, forma o ressentimento e o próprio planejamento da vingança que pode ou não ser realizada, dependendo disso a manutenção ou a eliminação do ressentimento.

Porém, se há o ressentimento e um ressentido é porque o momento da vingança nunca chegou, e a vingança não se realiza devido a uma incapacidade muito parecida com a que fez o indivíduo não reagir no episódio que gerou toda a questão, ou seja, a dificuldade da vingança também está atrelada ao sentimento de inferioridade do agredido em comparação com o agressor.

Assim como a vingança, o perdão também pode ser uma porta que permita ao indivíduo sair do ressentimento, contudo, sua efetivação só se dá diante de um real entendimento das razões do elemento lido como agressor e a própria superação do dano por parte do ofendido. O arrependimento também se configura como uma possível saída, desde que não se caia no lamento, muito parecido com o ressentimento.

Compondo conflitos característicos do sujeito contemporâneo, o ressentimento é comumente tratado, compreendido e caracterizado pela psicanálise, porém, suas inferências e desdobramentos também são observadas por meio do olhar social.

Quando o ressentimento é analisado através do contexto social abre-se uma oportunidade de compreender como ele se desenvolve nas condições de opressão que são a lógica da sociedade capitalista moderna. Diante da autoridade do sistema e das perspectivas que decaem ou cessam, o ressentimento pode se materializar como a única reação possível e/ou mais segura diante da magnitude da coerção exercida pela força social dominante. Mesmo assim, o ressentimento não necessariamente é o resultado de uma derrota, já que a não reação depende do indivíduo, mesmo ele estando em condições adversas; e o recuo estratégico diante de uma coerção sistêmica visando um futuro novo contra ataque eficaz é diferente da autoentrega realizada por aquele indivíduo que está incapacitado de dar outro sentindo às suas emoções e vive a vingança apenas em sua imaginação. Entende-se desta forma que, o ressentimento pode ocorrer em ambos os cenários, porém não é inevitável.

Na política, o ressentimento surge diante das promessas de igualdade que não são cumpridas nas democracias liberais modernas, e o indivíduo percebe que, diferentemente das sociedades pré-modernas, aonde sua posição estava predestinada e uma falta era tida como castigo divino; as ausências e limitações atuais são também privações, mas desta vez realizadas por uma figura paterna de poder representada pelo Estado; sendo assim, quando o ressentimento é observado pela ótica política, enxerga-se que ele é fruto de contradições sociais e está ligado a processos de mobilidade social ou a sua falta.

Nas sociedades capitalistas encontra-se o estado de coisas em que um grande número de pessoas são de fato prejudicadas pelas condições de vida e exploração, o que torna difícil delimitar quem são realmente vítimas e quem são aqueles que constroem seu ressentimento; mesmo assim, é necessário se atentar ao caminho da busca pela compreensão do fenômeno psicossocial do ressentimento, para que não se caia na armadilha de defender a meritocracia, pensamento este constante no senso comum, que ignora toda a estrutura e suas implicações e culpabiliza os indivíduos por inadequações e incapacidades que na verdade não dependem dela, ou somente dela. Dada algumas definições que identificam o ressentimento em algumas categorias de análise como a psicanálise e a política, é possível realizar o exercício de enxergar como esse sentimento se desenvolve no cotidiano das pessoas e nas relações de classe, e como o ressentimento na atualidade está ligado à exclusão do consumo e da própria modernidade, colaborando para o surgimento e a manutenção do ressentimento dos indivíduos no espaço urbano.

--

--

Jordana Machado
Jordana Machado

Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

No responses yet