[O DIA EM QUE ENCONTREI O MUNDO]
Os anos passaram e eu cresci, mas o mundo não crescia comigo.
Como toda criança eu nunca soube bem direitinho que tamanho o mundo tinha. Quando pensava sobre isso eu ainda não sabia que nem seria preciso muito estudo pra entender exatamente até aonde ele ia, o mundo.
Lá longe as pessoas imaginavam coisas sobre nós, elas não entendiam o que a gente falava, nem porque acreditávamos em algumas coisas e nem como aguentávamos tantas outras. Elas tinham as próprias verdades delas pra entender porque é que a gente brigava tanto, as verdades delas decretavam pra onde tínhamos de ir e de onde não deveríamos sair. Mesmo assim sempre perguntavam o porquê, mas raramente alguém perguntava o que a gente sentia. Acho que nunca perguntavam. Só se alguma câmera estivesse ligada ou alguém anotasse coisas num caderno. Faziam perguntas, filmavam e escreviam, mas o mundo delas era muito longe, e eu aprendi bem cedo que muita coisa se perde no meio dos longos caminhos. Às vezes elas riam de nós, outras vezes tinham uma pena que rapidamente se transformava em raiva.
Meu irmão era a coisa que eu mais gostava no mundo. Quando a poeira do céu deixava a gente contava estrelas. Um dia voltamos pra casa com as roupas molhadas e ele me defendeu de um jeito que eu não sentiria falta. Ninguém soube quando fomos ao cinema pela primeira vez, a gente foi escondido. Talvez pouca gente saiba, mas as pessoas também vão ao cinema por aqui, mesmo que a maioria não goste muito do som alto que ele faz. As crianças pequenas se assustam com barulhos, os adultos também. Uma vez li na internet que alguns médicos dizem que faz bem elogiar as crianças, e outros dizem que não é bom fazer isso o tempo todo. Nosso pai elogiava meu irmão quando ele corria rápido, mas o mesmo não aconteceu quando ele dançou na ponta dos pés em nossa cozinha pela primeira vez.
Quanto mais ele corria, mais triste ele ficava. Um dia ele correu pela última vez. De cima de um penhasco ele decidiu colocar as pontas dos pés no céu e quando eu sentia saudades me diziam que ele tinha ido morar debaixo das pedras do rio que circulava o penhasco. A coisa que eu mais gostava no mundo tinha ido morar lá longe. Os anos passaram e eu cresci, mas o mundo não crescia comigo, eu não tinha mais um mundo, então eu decidi procurar um mundo pra mim, lá longe. Ninguém vai saber que eu cresci cercado por penhascos que amaldiçoei e que agora desejava tanto, mas há dias que só vejo a água salgada. Desejava pisar, seja nos cascalhos do nosso antigo quintal ou na plataforma de algum metrô em Berlim. Desejava pisar num pedaço de terra, encontrar meu mundo, e o delírio da sede, da fome, do sono e do medo me faziam buscar a coisa que eu mais gostava no mundo por entre pedras que não existiam. Na antiga tarde levamos uma bronca por termos molhado nossas roupas, mas eu estava muito feliz por ter aprendido a nadar. E agora sinto tristeza por você ter tirado de mim a única chance que eu teria de te encontrar de novo. Eu não quero mais um mundo. Não esse tipo de mundo. Amanhã seremos notícia no Ocidente.