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Foi bem cedinho, a banca ainda estava fechada. É esse horário que nossa classe inaugura o mundo todo santo dia. Enfiei tudo na mochila e saí correndo que nem um louco. Atrasado, fui cortando por dentro, fui cortado por dentro, a marmita virou mingau, quando vi aquele monte de luz fiquei com vontade de chorar.
Aquela casa era nossa, a máquina de costura da minha vó é nossa, nossos lençóis foi ela que fez, não sabia se chorava porque o vermelho do sangue ia desenhando novas figuras por cima dos retalhos que cobriam o retalhado, ou se porque era inverno e essa noite todo mundo ia ter que dormir junto, embrulhados pela cortina de uma sala que nem existia, e a cortina também não.
Nunca pensei que eu ia aparecer no jornal. Nunca imaginei que falariam sobre mim na internet. Sempre ouvi por aí que era importante ler o jornal, se informar, saber das coisas que estavam acontecendo pelo mundo. Acho que nunca estive tão perto dos jornais como estou agora. O meu nome está nas primeiras páginas. O meu nome está pendurado no meu dedo do pé.
O meu peito tá cheio de jornal porque a gente não sabe quem escreve, e quem escreve também não sabe quem a gente é. Eu tô cheio de jornal porque eu não sei ler direito e nunca entendi porquê não juntam tudo num lugar só, a gente tinha que ficar procurando a informação, comparando, decifrando, decidir quem tinha razão e quem não tinha. Eu nem precisei ler esse monte de jornal pra aprender quem estava certo e quem estava errado, porque quem estava certo era o mais forte e o errado tinha que abaixar a cabeça e pronto, acabou.
Pronto, acabou, não teve jeito, todos os jornais que eu não encontrei vieram me encontrar e agora eles estão aqui comigo no meu peito cheio de jornal, eles colocaram um monte de jornal em mim porque dentro de mim não existia mais nada. A última coisa que saiu de dentro de mim foi uma lembrança, a última lembrança foi o barulho da máquina de costura da minha vó. Gostava tanto do cheiro dela e do café dela também.
Eu era acostumado a ver sempre as mesmas pessoas, e quando via muitas outras diferentes eu gravava bem a cara delas. Às vezes pensava que seria legal conhecer essas pessoas, mas não tinha muita certeza se elas pensavam isso de mim também. Sempre foi difícil saber o que as pessoas pensam de verdade, nem com os amigos foi fácil. Eu sempre andava por aí, às vezes sozinho, às vezes procurava emprego também.
Já aconteceu mais de uma vez, eu com algum amigo em algum lugar, ele pedia alguma coisa pra comer, vâmo comer também, não obrigada eu já comi, que nada eu estava cheio de vontade mas ele não percebeu o que estava acontecendo ali, fui embora cuspindo os caroço de uma mexerica que a minha vó tinha me dado de manhã e ainda bem que eu tinha guardado pra uma hora realmente importante, já era umas cinco da tarde, já fazia muito tempo, já estava na hora.
Já estava na hora de acordar de novo, e eu sempre perdia a hora e tinha que enfiar tudo na mochila e sair correndo que nem um louco, mas sempre dava tempo, só que nesse dia não ia dar, mas também não tem problema porque em outros dias o tempo deu. Essa minha vó sempre dizia que o tempo era rei e eu logo imaginava aquele rei dos desenhos da TV, todo poderoso naquela cadeira dele, todo mundo achava que ele era bom por causa da comida que ele mandava preparar para as pessoas que visitavam ele, mas ele também tinha uma pessoa que só ia lá pra fazer ele dar risada.
Se o tempo era mesmo rei, e se teve dias que deu tempo e em outros não deu tempo, eu só posso pensar que no fim das contas o tempo me fez de bobo.
O tempo me atrasou, o tempo não me deu nem uma mexerica. Achei que eu tinha tropeçado no degrau por causa da pressa mas descobri que me confundiram com alguém. Nem todo mundo é tão bom como eu pra gravar a cara das pessoas. Mas pelo menos deu tempo de dizer pra ela que eu estava muito apaixonado, deu tempo de ir comer alguma coisa com aquele meu amigo, deu tempo de cuspir os caroço.