[‘NEM MESMO ESTE SAMBA DE AMOR PODE NOS RESUMIR’]
Você percebe que tem bons amigos quando as notícias que chegam do rolê que você não foi são coisas como: fulano ficou chapado e ficou chorando porque vai embora da cidade e não queria, ficou emocionado, aí pegamos ele no colo e dançamos com ele no ar.
Amizade é uma coisa bem louca. Muita gente já foi embora de nós, e a gente também já se foi muitas vezes. Um esforço pra se enturmar, e você fica sem entender porque é tão difícil às vezes. A gente ali querendo estar com pessoas que não querem estar com a gente. Mas aí lembramos dos nossos, de como foi fácil, de como você foi quase que instantaneamente aceito, valorizado, respeitado, admirado.
Aquelas pessoas que se interessam pelo que você sente e pensa. Elas piram com você diante de uma boa ideia. Entendem seu humor, sua voz, seu olhar, suas palavras. Várias questões impedem encontros frequentes e você acaba tendo que se divertir só. Mas quando toca aquela música você se lembra. Mas quando você é ferido são elas que te lembram o que você esqueceu ou que te fizeram esquecer. Elas estão nos seus planos e você acorda rindo ou chorando quando sonha com elas. E você pensa porque de nem todas as pessoas te enxergarem como elas. Orgulho, saudade e interesse recíproco. Pessoas que um dia não existiam fazem tudo valer à pena.
Dizem que depois dos 30 fica mais difícil fazer amizade, talvez isso seja mesmo verdade. Todo dia vejo as crianças estreitarem os laços instantaneamente, é tão bonito, é tão real, corajoso e despretensioso, sinto inveja disso, de não temer o julgamento. Baixar as armas e as vaidades, abrir os braços. Tento entender a importância e a materialidade dos ciclos, das vezes em que fomos embora e das vezes em que foram embora, mas já errei muito por aí e já erraram muito por aqui. Isso me faz pensar que dessa vez tem que ser diferente, com vocês tem que dar certo. Isso pesa. É como se depois de vocês, fosse como na canção: ‘os outros são os outros e só’. Receio a possibilidade de um dia vocês também serem só os outros, e eu o só.
Quando o amigo tá longe e vocês quase se perderam um do outro com as lonjuras dos caminhos desse mundaréu de meu deus. Lá fora tá uma chuva danada e lá pras bandas dele também têm chovido. Passamos muitos dias na lama, mas nada impediu que a gente passeasse. E a gente foi indo, sentando nas calçadas e nos sofás. Tomando café, suco de abacaxi e quentão. Comendo bolo de goiabada e também o pão que o lazarento do diabo amassou. Há alguns quilômetros entre eu, essa lata de cerveja e ele. Eu sei que ele nunca pensou só nele. Ele sempre pensa em mim, mesmo quando eu não mereço.
Sei que ele confia em mim porque vai escrevendo e à cada frase aperta o enter. Ele não está pensando, está só sendo. Ninguém aperta o enter sem pensar, mas ele aperta. E eu vou lendo em tempo real, mesmo que a voz que eu esteja escutando esteja só dentro das minhas lembranças auditivas de um podcast passado ou de uma entre tantas mesas que dividimos. Ele confia que eu vou ficar olhando aqueles três pontinhos se mexendo enquanto ele escreve, e que só vou começar a escrever de volta depois que o movimento dele cessar. Mas depois vem eu. Depois vem ele. Movimentos não surgem, movimentos se criam.
[“Quero chorar o seu choro
Quero sorrir seu sorriso
Valeu por você existir, amigo.”]
[Fundo de Quintal / A amizade]
https://www.youtube.com/watch?v=9LZpu_AG_p0