[MINHA MÁXIMA CULPA]

Jordana Machado
2 min readFeb 16, 2020

--

Entrou no carro. O nome do cara era difícil, mas fez questão de demonstrar que licença nome difícil, bom dia. Tentando construir uma base sólida para que nossa não vou sequestrar e nem violentar porque ela decorou meu nome e pronunciou certo ainda por cima, que gentil. Foi fazer a consciente, puxou o cinto de segurança, o negócio prata não entrava no tréco preto, uma vez, duas vezes, deixou quieto na terceira. Os olhares se cruzaram pelo espelho. O cara percebeu que ela tentou colocar o cinto mas não conseguiu. Ele pensou que ela não iria dar todas as estrelas. Ela pensou na merda que era ele pensar isso, ou sobre isso. Teve a brilhante ideia de nossa que calor hoje hein. Já tinha passado dos 30, já tinha licença poética e etária para puxar conversas falando das condições climáticas. O cara não tinha ar-condicionado no carro, claro que ele vai se sentir mal, claro que vai pensar nas estrelas, claro que vai pensar que isso foi uma indireta escrota de uma pessoa escrota. Que merda. O cara já não deve tá numa fase fácil, claro que essa fase não existe, e lá vem você com indiretas, lá vem você querer colocar o cinto num trajeto de R$6,96. Não dá tempo de morrer num trajeto de R$6,96, minha filha.

Ain moço, desculpa, desculpa mesmo por você lucrar tão pouco com a minha presença desagradável aqui no seu carro, a culpa é minha, não é do neoliberalismo, a culpa é minha, não devia ter te chamado, por favor não pense que estou passando na sua cara a minha condição de assalariada emergente que vai comprar pão de Uber e fodacccce, eu só não quero chegar na reunião toda melequenta de suor, porque chegando lá eu vou ter de abraçar pessoas e abraçar toda melequenta de suor é bem desagradável, e não quero fazer a phina ain só um beijo pois estou suada, eu quero abraçar de verdade, e acima de tudo, não quero abraço por pena, quero merecer esse abraço, e para tanto não posso estar melequenta. E por último, prometo que é a última coisa, não pense que eu vou deixar o troco porque sou metida ou porque caí num devaneio de que estou num táxi em NY e pode ficar com o troco, é só que estou tentando ser gentil, e sim, sei que isso é uma condição de comportamento criada para o meu gênero que também é criado, mas nossa olha só onde tudo isso está chegando, gente do céu é muito difícil viver em sociedade.

Tudo de bom moço. Bate a porta devagar porque ele também pode te dar poucas estrelas. Problematiza: quero bater a porta devagar porque na lei dos homens isso é descortês e não tem geladeira em casa não ô escumungada, ou quero bater a porta devagar porque ele pode dar poucas estrelas de volta? Estou pensando nele ou em mim? Tinha planejado usar o tempo do trajeto para mentalmente repassar as falas e tópicos da reunião. Chegou melequenta de suor. Ansiedade faz transpirar. Carregar culpas aleatórias também.

--

--

Jordana Machado
Jordana Machado

Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

Responses (1)