Jordana Machado
2 min readSep 3, 2019

A vida é como a maré do oceano com aquele balanço louco que te faz querer vomitar, então você toma uns remédios pra vê se melhora. Não melhora. Óculos com lentes de grau especiais para pressões oculares causadas pela pixelização das pupilas. Repelentes, filtros solares e cremes anti rugas cederam espaço para técnicas de impermeabilização da pele, e agora somos como tênis que não molham, já não transpiramos e nem choramos. Nosso medo da dor e os agrotóxicos emborracharam nossa pele. Agora tocamos uns aos outros e não sentimos nada, como tem sido nos últimos séculos e a gente nem percebeu.

Não há mais antenas internas para colocar palha de aço na ponta. Já não estapeamos aparelhos de TV para que voltem a frequência. Não assopramos fitas de vídeo game.

Seis bilhões de pessoas buscando um sinal.

Anos expostos ao wifi e bloottoh geraram novos tipos de câncer.

Gradativamente todos os indivíduos se tornaram psicopatas.

Religião, droga e sexo não são mais capazes de conter o desespero.

A própria repressão perdeu o sentido diante da homogeinização das emoções humanas.

Já não é mais possível fingir.

Perfis em redes sociais, empregos e roupas não conseguem mais dar a sensação de ser especial.

Agora os oceanos são de sangue e a angústia é um vento morno que não tem mais força para balançar cabelos, persianas ou saias.

Passamos anos sendo obrigados a fazer coisas. Nos fizeram acreditar que fugíamos do contato do abraço e do toque por escolha própria.

O descontrole foi institucionalizado.

A palavra ordem foi oficialmente retirada da bandeira.

A palavra progresso foi oficialmente retirada dos dicionários pois o cérebro humano já não consegue processar seu significado.

Chegamos ao fim da linha e não há mais para onde ir. A única direção compreensível é o círculo. Com o tempo todas as coisas do mundo adotaram esse formato. Livros, escovas de dente, paredes, tudo é redondo. Com a perspectiva cíclica nossa ideia de tempo mudou. Não há mais passado e tudo que houve ficou pra trás, porém voltará em breve, inevitavelmente. A espacialidade também se transformou, já não andamos mais pra frente, mas em círculos. Do alto de um prédio todos parecem estar dançando lá embaixo.

O bullyng não é mais condenável porque o sentimento de inadequação é geral e completo.

Os direitos humanos é apenas uma lembrança de uma época aonde se acreditava possível tapar chagas terminais com band-aids.

Nos extratos bancários agora é possível contabilizar as tentativas de suicídio do mês.

O futuro chegou e os carros não voam e as comidas não saem de tubos, mas os novos dissidentes rodopiam pelas ruas com seus rostos retalhados, uma onda de automutilação que se espalhou por todo o globo em resistência ao reconhecimento facial que tempos atrás era só uma ferramenta num celular caro.

Jordana Machado
Jordana Machado

Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

Responses (3)