[MALANDRA NÃO PARA, MALANDRA DÁ UM TEMPO]
Na primeira noite não consegui dormir. Fantasmas faziam vigília nos pés da minha cama. Peçonhenta, desencarnei as almas atirando nelas pelas costas. Minha mira continuava boa, meu dedo sempre no gatilho. ‘Também morre quem atira’. No dia seguinte tinha a bagunça pra limpar. Estilhaços, pedaços e sangue por cima de um mapa. Peguei cola, agulha, linha, pensando em juntar as peças desse quebra-cabeça, mas a pangeia nunca existiu como imaginei. No terceiro dia, chorei. Fiz o que meu coração mandou e isso deveria bastar. Não era uma questão de erro ou acerto, não adianta explicar porque não é caso de entender, mas de sentir. No quarto dia pensei em voltar atrás. No quinto comecei a pensar em mim e no sexto comecei a sonhar de novo com o sentar-se em volta da fogueira acompanhada somente dos corajosos e dispostos. Em 6 dias deus fez o mundo, e em 103 eu refiz o meu.
[“No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em 6 dias deus fez o mundo e eu refiz o meu.”]
[ASSIS, Machado de. IN. Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881.]