[INROMANCEÁVEL]

Jordana Machado
2 min readNov 26, 2019

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Tenho medos e falo pouco. Isso me ferra um bocado. Preciso trabalhar umas coisas na minha cabeça. Tenho um vizinho. O cara tem pra lá de setenta anos, mas tá firmão. Encontro ele na rua, enquanto passeia com os cães. E ele diz, ele sempre diz: coragem. Não diz nem olá e nem bom dia, diz coragem. Podemos tomar café com ele? Gosto de ouvir os mais velhos. Não que as pessoas cuzonas não envelheçam, mas tem uns que são muito gente. E gente tá em falta, você sabe.

Apareceu uma manchinha vermelha debaixo do meu olho direito.
Fiquei pensando que se você tivesse apagado aquele cigarro na minha cara eu teria uma dor física com a qual me ocupar.
Coisa chata do anticoncepcional é isso, é não ter mais aquelas cólicas alucinantes, aonde tem-se a impressão de que os ovários querem trocar de lugar com os pulmões.

Porra, minha adolescência não passa, cara. Vou fazer 30 anos e não gosto de fazer nada, não me acho boa em nada. Qual é o meu problema? Vou fazer 30, nem vem atropelar minha crise. As coisas não passam. A gente não muda, não acorda diferente. É sempre igual, é assim que fazemos. Simplesmente escreva. Vontade de dar um murro na minha cara. Eu sempre quase falo com você, mas acho que deve ter algo melhor pra fazer. Também gosto de pensar que você está bem. Mas como é de verdade? Notícia ruim chega logo. Tenho cinco coisas pra te falar. Acho você ótima, um mulherão desse tamanho. Poderia ser maior e mais bonito, mas quase nunca é. Sou boa em simular desmaios.

Sabe o que eu queria? Ir pra trocação com você. Apagar um cigarro no meio da tua cara. Seria quase um orgasmo. Vem. Tá eu e a minha lata de cerveja esperando. Mas tem que ser um cigarro recém aceso, sabe. Em cima da maçã esquerda, assim, bem perto do olho. E aí termino de esfarelar ele no seu nariz e enfio os restos na sua boca. Acendo outro, levanto uma sobrancelha, pisco, e saio gingando. Agregaria coisas ao meu rosto. Faz isso um dia? Seria uma boa história. Uma mulher apagou o cigarro no meu rosto. Faço. Será minha dívida com você. Hei de pagar. Certo. Um dia quase te pedi um soco. No supercílio.
Imagino a gente sentado lá no chão da sala de casa. Cê fala: vai, pode dar, eu quero. Vai. E eu sem pensar, sentada mesmo, erguia o braço direito e dava um soco na maçã, de cima pra baixo. Quero na sobrancelha, pra abrir e sangrar.
Me dá um soco também? Mas não acerta a boca. Eu não ficaria muito atraente sem dentes. Uma cicatriz também seria bacana. Toda vez que cê fizesse ou dissesse merda eu passaria o dedo por cima dela, te avisando.

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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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