[‘HEY MÃE, EU TENHO UMA GUITARRA ELÉTRICA’]

Jordana Machado
4 min readJul 12, 2019

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Minha mãe é uma mulher atemporal: usa uátizápi e manda telemensagem de aniversário.

Mãinha é a mulé mais linda e porreta do meu mundo.
Em cada fase da nossa caminhada juntas, minha mãinha sempre deu um jeito diferente de conversar e estar comigo.
Mãinha já conversou e esteve comigo numa adolescência distante, que foi o início do caos que se renova todo dia primeiro de fevereiro, porque o tempo vai passando, só o caos que não, esse lazarento.
Mãinha já conversou e esteve comigo quando, através de silêncios, nunca reprovava minhas opções de vestimenta que culturalmente e erroneamente se diz que é de homem.
Mãinha já conversou e esteve comigo quando em resposta aos meus bilhetes grudados pelo lado de fora da porta do meu quarto, ela me deixava moedas que serviam pra comprar cigarro solto, alugar um filme ou qualquer outro tipo de coisa que adolescente faz. Ou fazia.
Mãinha já conversou e esteve comigo quando em respostas às minhas cartas pra ela, cheias de confusões, dúvidas, medos, esperanças e sonhos, ela me deixava pentear seus cabelos.

Mãinha sempre esteve um passo à frente, como se não existisse nenhum buraco capaz de fazê-la cair, já que seus pés são sempre mais rápidos, confiantes e surpreendentes. Como se não existisse nenhum buraco capaz de fazê-la não nos ensinar que hoje é hoje, amanhã é amanhã, e que pra tudo existe um jeito que podemos descobrir.
Hoje, toda vez que nos encontramos eu pinto os cabelos dela de vermelho. Capricho na raiz. Do jeito que ela gosta.

Hoje, toda vez que não nos encontramos, ela conversa e está comigo na internet.
Eu desenvolvi a habilidade de compreender como está mãinha e tudo o que mãinha quer dizer, somente interpretando os emotions que ela manda.
Mãinha, a dos passos sempre à frente, também tem o tal do ‘uátizápi’, diferente de mim que estou sempre uma década atrasada quando o assunto é tecnologia.
Mãinha ainda gosta dos emotions, mas agora também tem o tal do áudio.
Eu sempre conversei e estive com ela através da escrita. Ela é uma das poucas pessoas que sabem o quanto as palavras escritas significam pra mim. Ela sabe que isso me salva, que isso me ensina, que isso tem um pouco de sonho. Ela sabe que eu sou mais o que escrevo do que o que eu falo; que eu vivo mais quando escrevo, e que eu morro um pouco quando tenho de falar; que eu falo muito quando estou desconcertada, mas que também falo muito quando estou acolhida, e que quase não falo antes da minha xícara de café.

Mãinha sempre conversou e esteve comigo dos jeitos mais diversos que se pode imaginar. Do jeito dela. Coisa que eu demorei pra aprender.
Hoje, depois do tempo dos silêncios cúmplices, das moedas e dos penteados nos cabelos, há emoctions e áudios.
Hoje há risadas, memes, receitas, desabafos e uma gratidão sem limites.

Tô aqui me lembrando de como você era zelosa em encapar meus cadernos e livros da escola. Eram todos bem encapadinhos num plástico quadriculado em vermelho.
Tô aqui me lembrando de como sempre achei bonito te ver lendo ou fazendo cruzadinha. Essas lembranças me influenciaram e marcaram muito. Me emocionam muito.
Tô aqui lembrando de como até hoje me surpreendo com sua facilidade com os números, coisa que sempre tive dificuldade. Uma trabalhadora sabe bem o que significam números, porque um a mais ou um a menos pode significar tudo ou nada.

Mãinha vai badalar.
Eu vou ficar em casa comendo batata frita e chocolate, assistindo Luke Cage.
Falo pra ela: ‘se cuida’.
E ela fala pra mim: ‘calça jeans ou calça social?’

Faço sozinha a maioria das minhas refeições.
Mas aí em alguns fins de semana tem mãinha e risadas.
Eu: — Se a gente tivesse jantando agora em qualquer lugar do mundo, o que será que estaríamos comendo?
Ela: — Hamburguer.
Eu: — Estados Unidos, né.
Ela: — É.
Eu: — E se você pudesse ter nascido em qualquer outro país do mundo, qual você escolheria?
Ela: — Merci ‘bocú’.
Eu: — Não existe país com esse nome, mas pode ser inventado.
Ela: — Qual país que fala merci ‘bocú’?
Eu: — França.
Ela: — É né.
Eu: — O que será que os franceses comem?
Ela: — Pão francês e arroz francês.
[risadas]
Eu: — Meu sonho seria trabalhar em casa. Fazer meu café, ouvir a CBN. Queria aprender a construir algo com minhas mãos. Ou ter um sebo ou uma banca de jornal.
Ela:— Eu não, prefiro sair de casa e ver gente. Você podia fazer o crochê que eu sempre tentei ensinar. O Rodrigo Hilbert faz.
— Nossa, mãe…
[risadas]

Obrigada por tudo, mãe
Mais que mãe. Mulher.

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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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