[GOSTAR DE MIM COMO UM DIA OUSEI GOSTAR DE QUALQUER PESSOA]
Gostar de mim como um dia ousei gostar de qualquer pessoa. Me observar e adorar cada coisa de qualquer alguém que eu seja. Obsessão me leva a gastar toda a saliva lambendo minha própria cara no espelho. Discutir comigo e não encontrar sossego enquanto não me entender, me mandar mensagens fora de hora pra dizer que é tempo de tudo e que o relógio parou quando ameacei ir embora. Sentar-me à beira de um penhasco e ficar jogando flores lá de baixo, e quase me desequilibro tentando alcançar minhas pétalas de salvação. Puxar a cadeira e me sentar, e do outro lado da mesa esticar o guardanapo no colo, picar a carne, me dar na boca, contornando os farelos do queixo pra que nem as sobras me faltem. Na quarta-feira dar uma volta na Colômbia e rodopiar em torno de um eu que será recebido no aeroporto com um cartaz de volte logo que deixei escrito antes de sair. Me apaixonar por quem grifou no ano de 2005 aquela frase de Guimarães Rosa no Sagarana da minha estante. Anti-ácidos industriais falharam miseravelmente e trezentas e vinte e duas borboletas espanam meu estômago quando encosto meu braço no meu outro braço no braço da cadeira do cinema repleta de ácaros, esperma e lágrimas. O apreço ao qual me dedico diariamente vence a preguiça do fio dental, me poupa o ataque cardíaco fulminante quando cedo a preferencial mesmo quando ela era minha. Não dou mais nada de graça e lá na frente me vingo, ultrapasso, e me prefiro, indo em frente com toda a velocidade. Já não espero porque estou sempre presente, e me desembrulho para dormir como se fosse uma tangerina da época. Me masturbo, durmo, acordo no horário, coloco a água no fogo para o café que não sai nem doce e nem amargo, do jeito que eu gosto.