[FAHRENHEIT 20/01]
Uma bola de fogo queimava o meio do dia. O mundo piscava em cor vermelha. A cama ardia. Salteava uma centelha. Uma panela de pressão com números pingando sangue e água. A esperança segurava na mão esquerda uma foice. Uma bola de plástico rodava durante a noite. O travesseiro era um saco de ouro e mágoa. Incêndios repentinos e misteriosos assavam barracos de madeira nos bairros afastados. Condicionado, condensado, figurado. Caminhar sobre as brasas da fogueira das vaidades. Boates, poetas, dotes. A repressão lançava chamas dos prédios altos. Fardados, obsoletos, cheirados. A resistência lançava coquetéis piscantes pelas ruas da cidade cinza. Coriza, grandeza, agoniza mas não morre. Água quente dentro de uma garrafa térmica. Descamar é ficar sem pele. Descamar é ficar sem cama. Duas mil e vinte colheres de banha flambavam no óleo fumegante de uma frigideira. O verde louro dessa flâmula é seca no futuro e desmatamento no passado. A lareira dos sem lar é um latão de querosene e aguardente. O fogão ferve explosões de bolotas de farinha pra matar a fome. Somos o fogo-fátuo que surge da combustão dos gases. Moléculas, carbonos, lacrimogênios. Massa, volume. Dilatação, compressão. Expansão, densidade. Atração, difusão. Torradeiras tostam a casca do pão caseiro da Dona Cida. Derretem as calotas polares e os sorvetes. A solidão chamusca os átrios, aorta, ventrículo. Braseiro brasileiro. Lábaro em labaredas. Fagulhas fascistas. A sola do sapato, bota, chute. Insolação é o brilho incontido.