[ESSE TEXTO DOEU]
Levantou e foi trabalhar. É isso que os adultos fazem. Isso é ser adulto: ir trabalhar mesmo quando seu coração está em pedaços. Abriu o computador e começou a ler. Ganhava dinheiro pra ficar lendo coisas. Benzadeus uma vida dessas, viu. Era um artigo da área da educação sobre o ato de avaliar. No primeiro parágrafo os autores diziam assim: “para início de conversa”…etc, etc, etc. Você também deve ter lido assim, com esse tom, esse tomzinho de quem está preste a te falar um monte de coisas.
Um “para início de conversa” não pode ter outro tom que não seja esse, isso já está cristalizado na alma do cidadão comum. Olha aqui, para início de conversa, não, péra, esse “para” não cabe, coloca um “pra”, porque quando a gente tá nervoso e esmagado pela falta de habilidade em lidar com as emoções a gente engole as letras tudo, vai engolindo as palavras, o choro, as vírgulas, antes de p e b usa m tô nem aí. Olha aqui, pra início de conversa, e tome, tome, tome chapuletada de palavras alheias.
E você achando que nada poderia doer mais do que as cintadas nas pernas que a sua mãe te deu naquele glorioso dia onde você quis assustar seu irmão jogando ketchup na própria camiseta e se estirando lá no chão igual um idiota. Você queria ter certeza que ele sentiria sua falta caso…se…quando… Só que aí você cresceu e as cintadas físicas deram lugar para as cintadas metafísicas. E elas eram mais frequentes, geralmente duravam 40h semanais. Também podem vir de todos os lugares e quando você menos espera: pá.
Às vezes tentava fugir, mas raramente dava certo. Às vezes sabia porque estava apanhando, muitas vezes não. As cintadas da mãe passaram, mas as dúvidas sobre os sentimentos das pessoas, não. Apanhar da mãe doía mais do que apanhar de alguém na escola. Isso permaneceu: tem mão que pesa mais. As coisas da vida. Você se tornou a pessoa que fala sobre as coisas da vida, e isso um dia pareceu tão distante, mas sempre estiveram lá. As coisas da vida sempre estiveram lá, não importa se foi aos 7 anos quando pela primeira vez você voltou pra casa chorando porque seu amigo não queria mais ser seu amigo; ou se foi aos 34 anos quando você tentou falar com seu amigo de novo e ele disse que nunca mais porque você tinha machucado ele demais, então ele fechou a porta e você ficou do lado de fora como aquele cachorro do Richard Gere naquele filme que ele morre mas o cachorro continua indo todo dia na estação de trem esperar por ele.
Pelo menos você conseguiu falar com ele pela última vez. Se por acaso ficar doente e morrer; você vai embora sabendo que ele fechou a porta mas disse adeus antes, fechou a porta sem bater; você vai embora depois de se despedir, dizendo que pensa nele todos os dias e agradecendo por tudo que ele te fez, e pedindo perdão que já não adianta mais. Custou caro. Porque não ficamos onde parece que éramos pra ter ficado? Pra ser amigo de alguém é preciso acreditar que se consegue ser bom pra alguém novamente.