[ENTENDIMENTOS]
O céu de São Paulo está um azul sinusite, um azul camisa de motorista de ônibus, um azul moça do tempo falando no jornal pra gente beber água, vou beber sim bb, se você falou tá falado, você manda na minha vida, fala pra levar o guarda chuva eu levo, fala pra eu ficar atenta com as áreas de instabilidade, e aí já complica porque a amplitude térmica das emoções vai de la nina a el nino em poucos segundos.
Roendo um pãozinho ali na laje, vem encostando um carro de Pet Shop, vem, vem, pó vim, vem, vai falando um menino que se levantou da calçada só pra dar uma ajuda ali na visualização da manobra. O motorista desce, um senhorzinho, faz um jóia sincero pro menino, o menino responde é nóis, o motorista se achega pra perto do portão, junta as mãos ao redor da boca e grita Pet Shopêêêêê. Eu entendi ele falar Sex Shopêêêêê. Sabadão de sol torando, hora do almoço, eu roendo um pão, quarentena no talo: nada mais se passa na minha cabeça que não seja sexo e feijoada.
Mas há outras coisas a se passar pela cabeça, sim. Quem dera não houvesse. E vamos de intercalar meia hora de problematização e meia hora de sacanagem. Hoje em dia não se fala mais sacanagem, é putaria que chama. [meia hora de problematização sobre o termo puta]. Aprendi a ler com a cartilha Caminho Suave, a saia justa das professoras na hora do ca, co, cu. Também lia uns romances eróticos que ficavam “escondidos” debaixo dos jornais, das Contigo e das Caras lá no banheiro de casa. Fazia uma leitura dinâmica, rapidão, em busca da palavra xoxota e pinto. Ninguém me ensinou o que era xoxota e pinto, não existia google nessa época. Não sei como mas eu acabei sacando que quando essas palavras apareciam a coisa parecia ficar mais interessante, e as folhas que apareciam essas palavras também pareciam ter sido bem manuseadas. Depois de uns anos eu acabei sacando que essas palavras são detalhes, e que o mais interessante acontece antes e depois delas aparecerem. Tem gente que ainda não entendeu isso.
É sábado, então é dia do vizinho ouvir Zezé de Camargo e Luciano, meu amor me espere, vou logo chegar, vai ligando o chuveiro, [prepare o jantar, sic], põe um vinho no gelo; e eu fico ali tentando entender, e o cachorrinho de banho tomado, e o céu azul com uma faixa amarela de poluição, e você acha que se parece com o uniforme dos ~colaboradores~ do Posto Ipiranga, mas é só o céu de São Paulo, meu super poder preferido ainda é voar, e cai um pipa no telhado, subo no telhado pra pegar o pipa, balanço o pipa no ar como quem diz peguei peguei, aguardo os possíveis 10 adolescentes e 5 adultos que em alguns segundos vão aparecer aqui na frente pedindo o pipa, então eu espero, fumo um cigarro, mais um, escutando a música do vizinho, deixe a porta aberta, a luz bem acesa, e avise a tristeza que hoje não dá, nem que o mundo se acabe, hoje eu quero te amar; e o pessoal não chega, nada de ninguém aparecer, olho prum lado e pro outro, cadê todo mundo, será que tão dormindo, será que tão comendo, será que tão transando. Fico tentando entender. Fico aqui tentando entender de ser humano.