[EM OUTRA VIDA]

O sol de outono obrigando todos a se encasacarem, olharem o mundo por trás das lentes dos óculos escuros, e correrem atrás do sol, ficar sentado naquele pedacinho de sol e o vento cumprindo seu papel de balançar folhas, saias e cabelos.

Uma bolsa carteiro ao seu lado num banco de praça. Ele está com as pernas cruzadas, mas não do jeito que os homens fazem, mas do jeito que as mulheres fazem. Isso é tão bonito, e é por isso que eu fiquei olhando pra ele durante os 40min que se seguiram.

O que haveria dentro da bolsa carteiro? O jornal do dia, uma garrafa de água, balas, um maço de cigarros, uma caixa de fósforos. Haveria também papéis de propagandas diversas, dentistas, supermercados, jazigos, apartamentos, concessionárias, e folhetos tantos de todos os lugares porque ele sempre recebia quando ofereciam e sorria de volta p’ros trabalhadores.

Quem sabe uma carteira de couro com as extremidades bem gastas, carteira de identidade, telefones soltos em mini pedaços de papel amassado, duas ou três sedas, inteligente o bastante pra não ter camisinha. Um casaco extra, um Dom Quixote com a capa quase caindo, um gravador de mão antigo.

Bota preta, calça de veludo azul marinho, camisa mostarda fechada até o último botão e um casaco marrom: sua roupa dizia que tinha dúvidas sobre a vida, muitas delas, todas elas. Estava com um caderno deitado no colo, a fita de cetim desse caderno tombava graciosa em cima do joelho, e enquanto pensava ele enroscava os dedos nessa fita como se ela fosse um cacho de cabelo.

Também mordia o lápis, alternando o olhar entre pra frente e pra baixo, e quando o sol apertava ele também apertava os olhos, tentando enxergar no escuro, uma metáfora da existência.