[E A PERFEIÇÃO POSSÍVEL DELAS]
Lá da esquina dava pra ouvir a voz da dona Elizabeth. Bethinha p’ros íntimos. E eu me demorei uma vida inteirinha pra chegar nesse patamar. Fui subindo de degrau em degrau à cada vez que acendia um cigarro pra ela no fogão, com nove anos ali, no desatino da nicotina, as perna mole mole de quem tá começando a carreira no vício, e ela obrigada grandona, obrigada, agradecia, e dizia senta aqui senta, escuta os nossos prosêro pra você aprender as coisas da vida.
Tá atacada hoje tá, que lá da esquina se ouve teus reclame? Pois eu também bem vi que lá vinha você é pela zuada dessa tua chinela, e você tá morrendo tá, que só vive se arrastando? E morto lá se arrasta, Bethinha? Ô se arrasta, vai lá pá baixo da cama de quem tem a linguôna assim que nem a tua. Ahhhh, eu já acho é que eles vão pá debaixo da saia de quem não esquece o geme geme de quem partiu, viu. Passa daqui saliente, boca frouxa!
E me molhou com a mangueira que molhava a roseira. Molhou papel, livro, molhou foi tudo. Ô filha de bate coxa não faça uma coisa dessa, olha aí o pecado, as letra derretendo p’ras beira das folha, vô te pôr pra escrever tudo de novo. Eu não que eu nunca fui dada a escrever, que eu prefiro é falar, que sai mais rápido. Bóra sentar um pouco ali no sol pra secar minha camisa, que se eu chego assim em casa capaz que até seca a camisa com o tanto de demora das pergunta da mãe. Nem me fala nessa que não tô boa com ela.
Bethinha e mãe eram amigas de uma vida, e o que enlaçou o coração dessas duas foi um cachorro. Depois a braveza, e depois a risada. Os respectivos falecidos das duas tinham ganhado o tal cachorro e ficaram numa batata quente de é seu, não, é seu, meu nada, toma, e assim foi até que passaram a bucha pra elas duas. A batata quente prosseguiu. Eu não quero esse monstro destruindo minhas rosêra. Pois eu não vou admitir esse cachorro feio com cara de cachorro de polícia aqui dentro de casa. O resultado foi que o cachorro-monstro-feio-de-polícia foi lá pra casa, e elas se acabam de rir quando lembram disso. Por isso que a Bethinha vivia pedindo pra eu acender o cigarro pra ela no fogão: porque se levantasse enquanto ria mijava toda na roupa.
Por que não tá boa com a mãe, o que aconteceu? Ah, sua mãe né, daquele jeito dela lá, tudo ela quer fazer certo, tudo. E tem jeito melhor que o certo, Bethinha? Grandona, o problema não é o objetivo, mas o caminho. Às vezes a gente tem que fazê uma coisa errada pra chegar num acerto. Dá um exemplo então, pra eu entender bem direito. Ah, tem um monte, é só pensar. Fala um aí, ué. Olha, pensei aqui um exemplo bom, por exemplo, esse negócio aqui na alça do sutiã, esse negócio que vai pra cima e pra baixo, tem que deixar eles errado, eles nunca vão tá na mesma altura, porque como as nossas têta são uma maior que a outra, você tem que errar nas alça pra acertar o decote.
Eu ri, ri, até as veias da testa saltar pra todo lado. Dona Beth-Bethinha, te amo demais, sua tranqueira, tem um isqueiro fácil aí? Tem não, meu bem, acende lá no fogão pra mim, fazendo o favô.