[DÁ LICENÇA]

Jordana Machado
3 min readNov 13, 2019

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Ô pessoal, tarde, dá licença aqui viu, sabe que eu vim pegar o negócio de novo emprestado, pode ser? Pode ser né, porque se não pudesse como é que ia ficar? Então mas aí vocês vejam que de dia em dia é isso daqui, eu venho meio que na certeza e meio que na dúvida, mas venho, e se venho é porque me mandarô vim, mas acho que vocês devem se esquecer disso às vezes, senão não era assim, na dúvida, só a certeza de que ou eu pegaria o negócio sem muita mais esticação de chiclete ou nem aqui eu viria e iria logo onde é pra eu ir, e não é aqui. O lugar desse negócio não é aqui ou vocês acham que mandam no negócio?

O negócio é de todo mundo, mas quando ele tá aqui meio que não é, já que pra pegar tem que vim aqui, falar pra sua tarde ser boa sendo que eu não tô desejando isso e nem nada porque eu é que não vou ficar gastando desejo com gente que levanta da mesa e larga o prato lá e isso é bem a carinha de vocês que eu sei, aí depois tem que pedir a licença e coisa e tal, e toda vez, toda vez é isso daí, eu com essa cara de quem pede e vocês com as caras de quem dão. Mas todo mundo sabe que ninguém pode dar o que não é seu, ninguém pode dar o que não tem. Sabem que isso me lembra de uma prima minha?

Ela falava essas coisas quando alguém não dava amor. Pra ela, se alguém não dava amor era porque não tinha recebido, e por isso não podia dar. Essa minha prima viveu uma cena de filme, mas era cena de coisa da vida mesmo, a vó quase morta na cama, deu um último conselho pra neta que tinha se casado fazia poucas luas, e sussurrou que se alguém fizesse uma escolha na vida tinha que falar que era mel, não podia falar que era fel, não. Se escolheu, então é mel e pronto.

O desacerto dessas linhas nossas aqui já fez eu me descadeirar da prosa que tá no assunto. A coisa é que já faz lua que eu coloco detergente nessa mancha de gordura, pra não ficar atolado pra ninguém, mas hein, depois de agora acho que não dou conta. E não dou conta nem de manter mais as aparências varrendo todo santo dia onde o padre passa, e nem dou conta mais de ficar dando conta pra vocês, porque a injustiça do que ouvi me fez ficar a noite toda imaginando como teria sido isto ou aquilo, se eu tivesse dado de colher na boca do meu desatino, fazendo as vontades dele, amassando a bananinha no prato sabe como é, esperando respirar, fazendo de conta que não via a demora, vocês iam era tá tudo na merda uma hora dessas.

Imagina, imagina bem eu de cusparada d’umas belas d’umas verdades, sem ira, nem beira, nem pontuação ou decoro de porra alguma, bem assim, pra pôr no cu do mundo e beber de graça.

O desequilíbrio é a chance e você tem que comer de um lado só da boca, escovar os dentes com a outra mão, pra sentir que ainda vive.

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Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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