[DOSSIÊ DA ORTOGÊNESE E COMPILAÇÃO ONTOLÓGICA DE TODAS AS PALAVRAS QUE TROCAMOS — PARTE I]

Jordana Machado
9 min readAug 10, 2017

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Rebobinando a fita.

Todo dia eu chegava pontualmente às nove horas da manhã.

Chegava eu e meu suéter de losango da sorte.

Essa vida de escritório é muito ruim, eu não gosto muito de trabalhar.

Toco saxofone mas essa vida de músico não é pra mim.

Já faz uns seis anos que eu converso com você e já trocamos todas as palavras.

A gente foi num show muito longe e nesse dia eu conheci você brava.

Eu nunca tinha ido nesse show mas você já tinha ido porque você é da safra de 86.

Nota mental: nunca mais ir de ônibus sem banheiro num show open bar.

Você tentou mijar no banheiro masculino e depois mijou na rua.

O motorista disse que tinha um posto logo ali, mas descobrimos que era muito lá.

Você desceu do ônibus, quero andar por aí sozinho, pensar na vida, e nessa música, será que sou eu, será que esse cara sou eu?

Foi um ímpeto mesmo, cheguei em casa e olhei no espelho, a pupila me fazia parecer uma coruja, e perguntei quem sou.

É muito dolorido fazer um xixi inocente em lugares cretinos, pelo menos tinha papel, mas me sinto feliz por ter observado que ainda sou capaz de saborear os pequenos milagres e prazeres da vida como um digno e honesto xixi.

Mijei num muro do meu bairro, muita infâmia e desrespeito.

Eu estava no fundo do ônibus e nem sabia de onde a música vinha.

Tocava Roberto Carlos.

Todos estão surdos.

Mesmo sem uma das pernas ele beijou aquela morena.

Eu com as duas pernas estou sofrendo, é muito despreparo.

Pensei que quando ele esquecesse a que morreu eu poderia me aproximar, exercer minha chance que é de direito humano, uma chance não se nega nem a um cachorro, mas ela chegou com aquele vestido de algum ano que não me recordo.

Um dia vou naquele cruzeiro de começo de ano, cai bem na semana do meu aniversário.

Lá certamente você vai ser mais cobiçada, visto que a mais nova assistiu a segunda guerra mundial.

Farei novas amigas, brindaremos juntas e pediremos mais cartelas e feijões.

E trocarão informações sobre remédios nunca antes experimentados.

Eu estou matando cachorro a grito, pesou mais que um big mac e menos que um fusca.

Homens são previsíveis.

No fundo gostam de horóscopo, casos de família e testes de revista.

O mundo é cruel, olha o tipo de coisas que temos de superar, não é brincadeira, é casca grossa.

Você se acha muito superior pela nossa insignificante diferença de idade comparada com o universo e as estrelas.

Eu sou o cara certo na época errada.

Se você fala eu boto fé, respeito quem chegou aqui primeiro.

Quando você nasceu eu já tinha levado umas chineladas por ter rabiscado umas costeletas do Elvis na capa de um vinil do Roberto Carlos, mas logo cedo vi que meu negócio não era desenhar.

Você confundiu os reis.

Fique livre pra escolher o momento adequado ou deixar que o mesmo chegue até você na fração mais inesperada do seu dia mais pulsante.

O meu dia mais pulsante é sempre agora.

Eu fico arrasado, bate forte, eu só sussurro.

Num dia a gente bate e no outro a gente apanha, mas o importante é não fazer xixi na cama.

Afinal, essas conversas aqui pra onde nos levam?

Você é sempre pulsante assim às sextas-feiras?

E você não está feliz?

Essa sexta de calor vibrante, é quase possível tocar as ondas de fervor e frisson.

Passei o dia tirando cochiladas, e batia um vento quente em mim, vindo da janela aberta.

Hormônios podem enlouquecer uma pessoa, venho constatando isso, é o caos em vida.

Não estou viajando, só procurando meu lugar, tipo assim, não sei, sei lá, só estou falando, vai saber.

Também não sabe o que quer ser quando crescer.

Quando você era pequeno queria ser o quê?

Nunca fui pequeno, sempre era o último da fila.

Uma amazona do leste europeu.

Desenhista, nadador, dono de bordel, musicista, doutor, contador de histórias, chapeleiro.

Uma das coisas boas da minha infância até a adolescência foi nunca pensar muito no futuro, hoje em dia existem resultados disso que não me agradam.

Eu também nunca tive que pensar muito no futuro, mas não por não precisar, mas por não dar tempo, na minha adolescência o hoje era urgente.

Não é o certo mais confortável, mas é um certo que fortalece as fibras da gente, tem coisa que a gente só descobre depois, nas andanças.

Só o que a mãe pedir, aí não vejo escapatória.

Estou aqui pensando em formas de te perguntar coisas sem que você perceba que são perguntas.

É um desafio gramatical e literário fazer perguntas sem interrogações ou fogueiras.

Você tem que contornar bem, aí vou olhar, refletir comigo mesmo que essa é mais uma pergunta, mas responderei com o maior prazer visto que não tenho irmãos pra dividir segredos.

Me conta um segredo.

Eu já roubei um DVD.

E eu fingi que completei uma cruzada mas olhei as respostas.

Isso foi quando comecei a praticar, agora me aventuro no nível difícil e fico com a autoestima comprometida.

Vou esperar você ter algo pra dizer da próxima vez.

Você tem que se questionar porque eu sempre invento alguma coisa pra falar.

O que você tem que se questionar é porque eu dou trela.

Gostaria que você ficasse aqui enquanto eu passeio pelas horas.

Números quebrados não trazem bom agouro.

Pretendo deixar ao menos um regalo ao me despedir, não sei se te agradará, mas ao menos pra mim serve como um afago.

Você me deve oito minutos.

Fica de crédito para usar ao vivo.

Eu aproveito as minhas chances, você sabe.

Não sei, mas o que sei está guardado.

Que bons ventos o trazem?

Brisas.

Não me olvido das brisas que recaem a sotavento contra meu rosto num domingo ocioso e receoso.

Deita no meu divã.

Deleito.

Como tem passado?

Hoje mal, ontem bem, amanhã quem sabe.

Não consigo imaginar que tipo de problemas você possa ter, quer dizer, você não tem cara de quem tem problemas. Pegou chuva? Está sem gasolina? Saudades?

Os caras veem as pingas que eu tomo mas não os tombos que levo, como diria meu pai.

Faça tudo de novo quantas vezes puder, quiser ou surgir.

70% dos desempregados permanecem mais tempo nas redes sociais, é o que diz as pesquisas.

E 100% dos empregados gostariam de fazer o mesmo.

Bronzeou na cidade maravilhosa?

Aquele vermelho catchup de sempre.

Compreendo por experiência.

Sou um brasileiro que não samba e não bronzeia, o que me resta é tentar ser feliz.

Eu às vezes acho que saí da trouxisse, mas ela me arrasta numa tarde vazia de domingo e me pergunto até quando.

Minha cantada uma vez pra uma garota foi dizer que o que mais gostei nela foi o fato dela ser alta, não deu certo, mas ela riu, isso já basta.

Eu cairia nessa cantada, mas não recebo muitas cantadas, sou eu que canto bastante.

Quem canta as cantadas espanta.

Eu ainda estou tentando encontrar uma garota, aí uso desses subterfúgios, mas está desanimador, baladas e cinemas sozinho.

Não sei o que seria mais desanimador, saber que ela está muito longe ou perto demais.

Você poderia ter dito palavras reconfortantes, que nutrissem minha alma.

Mas eu te disse palavras macias e proteicas.

Aquela garota pode ser muitas, ela pode estar aqui, pode estar num bairro há alguns quilômetros daqui, como pode estar também no plano das ideias.

Você acha que sou tímido? Sempre quis fazer propaganda e marketing.

Você acha que sou cantadora? Sempre quis ser escritora pra me esconder atrás de pseudônimos.

Encantadora.

Como tem passado?

Tenho tentado passar bem e você?

Pessoa de ambição você, eu ao menos passando já está de bom tamanho.

Pungente, não há palavra melhor.

Ainda não sei o que estou fazendo aqui no planeta, mas espero descobrir.

Me leva pra conhecer quando descobrir, levo salgadinhos para o caminho.

Nunca misture remédio pra dormir, maconha e vinho, minha vida tá uma bosta, janta comigo? Estou cozinhando bem, mas se você não confiar eu compro um miojo, faz nove dias que não vejo a luz do sol.

Se eu não fosse tão bicho do mato, ou se meu cérebro não fosse dez segundos mais rápido do que minha língua consegue acompanhar, talvez eu me expressasse melhor oralmente, mas tratando-se de mim até que eu estava bem aquele dia.

Não consigo te imaginar nervoso com alguma coisa, acho bonita essa sua serenidade.

Se fico nervoso ou chateado eu me afasto, aí muitos pensam que eu sou um bundão, uma alcunha que me acompanha em vários períodos da minha vida.

Esses dias assisti Lars von Trier e descobri que tem muita gente maluca levando a vida, isso me anima.

Tem um que você acha que é só mais um filme com uma cabana no mato, mas aí a moça começa a se atracar com a árvore.

A palavra película me lembra pele.

Para onde isso flui?

Nunca sabemos, ou soubemos.

Você é aquele tipo de pessoa, que tem aquele tipo de cara, com aquele tipo de jeito, que não nos deixa escolha que não seja a rendição.

Coisa de filho único.

Eu acho você uma pessoa sincrética, um arquétipo de welfare state of mind, é por isso que eu falo com você e você fala comigo.

Nos falamos porque nossas conversas nos fazem consultar dicionários.

Palavras antigas, novos sentimentos.

Você tem cara que convive com pessoas que não discordam de você.

A maioria das pessoas só sai desembestada fazendo coisas.

Eu e a maioria das pessoas nos afastamos quando nos mandam a real, uma resposta lógica e irracional, mas a verdade é boa quando você consegue se libertar, eu ainda tenho umas coisas presas, e você manja das coisas, sei que manja, você é um modelo, um colo, um seguro.

Hoje está tudo tão lindo que estou quase me aventurando.

Noite adentro, a mente não encontra centro, acalanto e desalento.

Você é foda.

Pena que ganho pouco com isso.

Normalmente o que é bom é mal remunerado.

Você sempre assim desse jeito, nessa maneira de fazer isso que você faz.

Normalmente a melhor ajuda é deixar o outro seguir.

Não acho melhor uma vida em que pessoas passam e não ficam, como se a vida fosse uma 25 de março e você um vendedor de água se fudendo no sol.

Eu gosto de ficar, mas a gente fica quanto tempo dá, o nosso tempo não dá pra tudo e nem todos, você sempre deixa um pouco de si, se doando, para que os dias pareçam menos ordinários do ponto de vista humano.

Meu timing é ruim.

O meu funciona até no Acre.

Ele só falha um pouco quando detecta sinal de interferência não declarada de outras frequências próximas, uma fronteira invisível que, eu sinto que se eu pisar pra fora da faixa, como nas estações de metrô, vou ter problemas, e eu gosto muito de problemas.

Também gosto de arrumar sarna pra me coçar.

Você acha cada verdade nas minhas mentiras.

Quer namorar comigo? Eu compro um cebolitos e coloco de aliança no teu dedo.

Só aceito aqueles anéis que vinham no dadinho.

Conte-me mais, deleite-me com sua jocosa apreciação da sádica realidade que nos permeia.

A vida é um grande B.O e um grande O.B, também.

Queria ter uma conversa mais amena com você, mas sinto-me tão vilipendiado como você, assim nesses trajes.

A gente nunca teve conversa amena, é só pancada na cabeça.

Não acho, quando falamos de amor a coisa fica legal.

Falamos do amor que você não me dá.

Me fala de você.

O que te interessa nos vários campos em que atuo?

Tudo me interessa, menos mentiras sinceras e raspas e restos.

Eu estou bem, ando bebendo pelos cantos, ando conhecendo só gente maluca e isso me deixa esperançoso, e engordei uns quilos.

Eu só interajo, viveu platônico, morreu atônito.

Vou indo deitar, você já vem vindo? Vou deixar a luz do hall acesa e ficar fingindo que estou dormindo só pra ver você conferindo se estou dormindo de verdade ou não.

Lá vem você fazendo coisas desse jeito que você faz.

Me convida pra ir no beco.

Estimado, você gostaria de ir pro beco comigo, em todos os sentidos que essa frase pode ter?

Positivo, ainda mais se tratando de um beco com saída.

Mas os becos sem saída são os melhores, fazem a gente se perder.

Aí já se trata de um labirinto.

Lábios.

Avermelhados.

Você estava bonito de suéter de losango.

Você estava bonita sendo você.

Você me mata de inveja, morro de vontade.

Mata, morro, montanha, Campos de Jordana.

O que te passa?

Me passa um milhão de coisas.

Eu estou sempre de esquina, na boa intenção, tentando encontrar o significado nas coisas insignificantes, amálgama de sabores e dissociações.

Míope, hipermétrope e ex-estrábico, claustrofóbico e ciumento, sem ser vulgar.

Você sempre pesa assim pra essa hora da noite, eu também sou assim.

A sua vestimenta está pesada ou o desnudar da vida alivia alguns fardos?

Uso muitas vestimentas, desde leves sedas a elmos metálicos, mas uma vez ou outra tenho o contentamento de estar nua.

Sem idas não há voltas.

Eu queria encostar em você com tanta força e com tanto jeito.

Ontem beijei na boca, mas só tenho dado abraços com roupa já há uns 5 meses.

Acho que num dia de meu deus talvez um dos dois dê um passo a mais nessa esteira.

E depois, e depois do depois? Às vezes é melhor nem começar.

Só o que dá pra saber é que só há dois resultados possíveis, e os dois são problemáticos, mas como o estado atual, de certa forma, também o é um pouco, então tudo bem.

Primeiro resultado possível: pode ser ruim, então pode ser que nem tenhamos mais essas conversas ou esse nosso tipo de amizade.

Segundo resultado possível: pode ser maravilhoso, e coisas maravilhosas trazem coisas maravilhosas e problemas fodas.

As crises continuam, acho que gosto de seguir tendências mundiais.

Lembrando que você já foi uma mulher que eu gostei.

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Jordana Machado
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Written by Jordana Machado

[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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