[DITO EM OUTRA LINGUAGEM]

Jordana Machado
5 min readAug 12, 2020

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Fique livre pra escolher o momento adequado ou deixar que o mesmo chegue até você na fração mais inesperada do seu dia mais pulsante. O meu dia mais pulsante é sempre agora. Eu fico arrasado, bate forte, eu só sussurro. Você é sempre pulsante assim às sextas-feiras? E você não está feliz? Essa sexta de calor vibrante, é quase possível tocar as ondas de fervor e frisson. Passei o dia tirando cochiladas, e batia um vento quente em mim, vindo da janela aberta. Hormônios podem enlouquecer uma pessoa, venho constatando isso, é o caos em vida. Não estou viajando, só procurando meu lugar, tipo assim, não sei, sei lá, só estou falando, vai saber. Também não sabe o que quer ser quando crescer. Quando você era pequeno queria ser o quê? Nunca fui pequeno, sempre era o último da fila. Uma amazona do leste europeu. Desenhista, nadador, dono de bordel, musicista, doutor, contador de histórias, chapeleiro.

Uma das coisas boas da minha infância até a adolescência foi nunca pensar muito no futuro, hoje em dia existem resultados disso que não me agradam. Eu também nunca tive que pensar muito no futuro, mas não por não precisar, mas por não dar tempo, na minha adolescência o hoje era urgente. Não é o certo mais confortável, mas é um certo que fortalece as fibras da gente, tem coisa que a gente só descobre depois, nas andanças. Estou aqui pensando em formas de te perguntar coisas sem que você perceba que são perguntas. É um desafio gramatical e literário fazer perguntas sem interrogações ou fogueiras. Você tem que contornar bem, aí vou olhar, refletir comigo que essa é mais uma pergunta, mas responderei com o maior prazer visto que não tenho irmãos pra dividir segredos. Me conta um segredo. Eu já roubei um DVD. E eu fingi que completei uma cruzada mas olhei as respostas. Isso foi quando comecei a praticar, agora me aventuro no nível difícil e fico com a autoestima comprometida.

Vou esperar você ter algo pra dizer da próxima vez. Você tem que se questionar porque eu sempre invento alguma coisa pra falar. O que você tem que se questionar é porque eu dou trela. Gostaria que você ficasse aqui enquanto eu passeio pelas horas. Números quebrados não trazem bom agouro. Pretendo deixar ao menos um regalo ao me despedir, não sei se te agradará, mas ao menos pra mim serve como um afago. Eu aproveito as minhas chances, você sabe. Não sei, mas o que sei está guardado. Que bons ventos o trazem? Brisas. Deita no meu divã. Deleito. Como tem passado? Hoje mal, ontem bem, amanhã quem sabe. Não consigo imaginar que tipo de problemas você possa ter, quer dizer, você não tem cara de quem tem problemas. Pegou chuva? Está sem gasolina? Saudades? Os caras veem as pingas que eu tomo mas não os tombos que levo, como diria meu pai. Faça tudo de novo quantas vezes puder, quiser ou surgir. Sou um brasileiro que não samba e não bronzeia, o que me resta é tentar ser feliz.

Não sei o que seria mais desanimador, saber que ela está muito longe ou perto demais. Você poderia ter dito palavras reconfortantes, que nutrissem minha alma. Mas eu te disse palavras macias e proteicas. Aquela garota pode ser muitas, ela pode estar aqui, pode estar num bairro há alguns quilômetros daqui, como pode estar também no plano das ideias. Como tem passado? Tenho tentado passar bem e você? Pessoa de ambição você, eu ao menos passando já está de bom tamanho. Pungente, não há palavra melhor.

Ainda não sei o que estou fazendo aqui no planeta, mas espero descobrir. Me leva pra conhecer quando descobrir, levo salgadinhos para o caminho. Nunca misture remédio pra dormir, maconha e vinho, minha vida tá uma bosta, janta comigo? Estou cozinhando bem, mas se você não confiar eu compro um miojo. Faz nove dias que não vejo a luz do sol. Se eu não fosse tão bicho do mato, ou se meu cérebro não fosse dez segundos mais rápido do que minha língua consegue acompanhar, talvez eu me expressasse melhor oralmente, mas tratando-se de mim até que eu estava bem aquele dia. Não consigo te imaginar nervoso com alguma coisa, acho bonita essa sua serenidade. Se fico nervoso ou chateado eu me afasto, aí muitos pensam que eu sou um bundão, uma alcunha que me acompanha em vários períodos da minha vida. Esses dias assisti Lars von Trier e descobri que tem muita gente maluca levando a vida, isso me anima. Tem um que você acha que é só mais um filme com uma cabana no mato, mas aí a moça começa a se atracar com a árvore. A palavra película me lembra pele.

Normalmente a melhor ajuda é deixar o outro seguir. Não acho melhor uma vida em que pessoas passam e não ficam, como se a vida fosse uma 25 de março e você um vendedor de água se fudendo no sol. Eu gosto de ficar, mas a gente fica quanto tempo dá, o nosso tempo não dá pra tudo e nem todos, você sempre deixa um pouco de si, se doando, para que os dias pareçam menos ordinários do ponto de vista humano. Meu timing é ruim. O meu funciona até no Acre. Ele só falha um pouco quando detecta sinal de interferência não declarada de outras frequências próximas, uma fronteira invisível que, eu sinto que se eu pisar pra fora da faixa, como nas estações de metrô, vou ter problemas, e eu gosto muito de problemas. Você acha cada verdade nas minhas mentiras.

Conte-me mais, deleite-me com sua jocosa apreciação da sádica realidade que nos permeia. A vida é um grande B.O e um grande O.B, também. Queria ter uma conversa mais amena com você, mas sinto-me tão vilipendiado como você, assim nesses trajes. A gente nunca teve conversa amena, é só pancada na cabeça. Não acho, quando falamos de amor a coisa fica legal. Falamos do amor que não nos damos. Me fala de você. O que te interessa nos vários campos em que atuo? Tudo me interessa, menos mentiras sinceras e raspas e restos. Eu estou bem, ando bebendo pelos cantos, ando conhecendo só gente maluca e isso me deixa esperançoso, e engordei uns quilos. Eu só interajo, viveu platônico, morreu atônito. Vou indo deitar, você já vem vindo? Vou deixar a luz do hall acesa e ficar fingindo que estou dormindo só pra ver você conferindo se estou dormindo de verdade ou não. Lá vem você fazendo coisas desse jeito que você faz.

Você estava bonito de suéter de losango. Você estava bonita sendo você. Você me mata de inveja, morro de vontade. Mata, morro, montanha, Campos de Jordana. O que te passa? Me passa um milhão de coisas. Eu estou sempre de esquina, na boa intenção, tentando encontrar o significado nas coisas insignificantes, amálgama de sabores e dissociações. Míope, hipermétrope e ex-estrábico, claustrofóbico e ciumento, sem ser vulgar. Você sempre pesa assim pra essa hora da noite, eu também sou assim. A sua vestimenta está pesada ou o desnudar da vida alivia alguns fardos? Uso muitas vestimentas, desde leves sedas a elmos metálicos, mas uma vez ou outra tenho o contentamento de estar nua. Sem idas não há voltas. Eu queria encostar em você com tanta força e com tanto jeito. As crises continuam, acho que gosto de seguir tendências mundiais.

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Jordana Machado
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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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