[COMO A VIDA NAS CIDADES INTERFERE EM NOSSAS EMOÇÕES]

Jordana Machado
6 min readJul 31, 2017

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Influências psíquicas de se viver nos espaços urbanos.

O espaço urbano é formado por seus sujeitos, ações e objetos através de uma relação de força que nos faz afetar e sermos afetados, constituindo nossa subjetividade e as relações as quais estamos inseridos por meio de expressividades e forças diversas. A subjetivação dos indivíduos na cidade é um processo, portanto não imutável, e possível somente quando em relação a exterioridade e submetida ao social. Nossa subjetividade não é fruto de uma identidade interior ou inata, mas consequência do que é capturado e apreendido do social, o que acaba voltando para o social através das manifestações das pessoas, compondo assim um movimento dialético.

A dinâmica das cidades, com sua operação de modo a caminhar de acordo com os interesses do capital, acabam por marginalizar e enquadrar as subjetividades em ordens pré determinadas. Estéticas e aparências lidas como fora dos padrões são tidas como desvios a serem corrigidos, assim como a própria loucura e todas as questões sobre transtornos mentais.

Qual a impressão que temos das cidades aonde vivemos? O que sentimos em relação às cidades e quais as influências psíquicas de se viver nos espaços urbanos? A história do homem está unida a história das cidades, e ao modo como os locais de sua existência são elaborados. A maneira como as cidades são construídas, através de sua arquitetura ou de sua política, é capaz de modificar o comportamento dos habitantes e interferir nas relações humanas a partir do momento em que as fronteiras nas cidades são subjetivamente internalizadas.

Isto pode ser elucidado por meio de práticas como a arquitetura hostil, surgida nos anos 1990, que se configura uma arquitetura urbana planejada para influenciar o comportamento das pessoas no espaço urbano, se materializando através de bancos anti-mendigos, dispositivos antiskate, pavimentação irregular, intimidantes sonoros, entre outros artifícios que tornam o design urbano excludente e opressivo. Um outro exemplo de como os limites das cidades podem atingir subjetivamente as pessoas, são as representações preconceituosas e estereotipadas geradas em áreas nobres das cidades em relação aos moradores das favelas, o que muitas vezes impede que esses indivíduos acessem trabalho e renda, afetando suas identidades e suas autoestimas.

As fronteiras geográficas, sociais e psicológicas se cruzam no espaço urbano, conectando o território com as identidades num espaço urbano e também psicossocial, constituído de muitas histórias, experiências, sentimentos, representações, complexidades e padrões comportamentais. As cidades pulsam e estão vivas, e ao ouvirmos as vozes provenientes das relações dos homens com a cidade é possível compreender que a angústia, a depressão, o afastamento e o medo não são apenas desequilíbrios neuroquímicos ou contextos individuais, mas consequência do estranhamento do homem com a natureza, da geografia urbana do afastamento e de uma educação ideológica que ao mesmo tempo que cria ferramentas de conexão também promove o confinamento e o individualismo.

Os lugares sociais dentro do espaço urbano são construídos e desenvolvidos através dos elementos de classe, do encontro com o individual e o coletivo, e do exterior com a subjetividade, mantendo e reproduzindo hierarquias. A correlação de forças existentes nas cidades fazem a corda arrebentar para o lado mais fraco com enorme frequência, efetuando uma cisão e uma exclusão cada dia mais crescente. E diante das práticas repressivas e higienistas, e do baixo poder regulador do Estado e dos investimentos do setor imobiliário privado e segregador; os sujeitos que integram as populações de baixa renda produzem resistências perante despejos ilegais, falta de proteção a garantia de seus direitos, e uma cidade cada vez mais discriminatória, individualista e privatista.

Quando a função social da propriedade é abandonada a cidade se torna um comércio, instalando-se como necessidade para avanços uma descentralização do planejamento urbano e políticas públicas que se comprometam de fato com a integração social. A função da cidade pode ser tida e lida como acolher, viabilizar acessos e desenvolvimentos e suprir as necessidades básicas, mas é necessário questionar se na maioria de suas expressões e contextos a cidade se configura com a função de abrigar ou expulsar, invadir ou privar. As sensações que os sujeitos podem sentir nas cidades conquista ou repele, resultando em deslumbramento ou hostilidade.

A vida nas grandes cidades é composta por elementos psicossociais aonde as relações coletivas urbanas possuem seus campos psíquicos e subjetivos. Entre a cidade e a nossa psique forma-se uma complexa rede que experimenta os sintomas manifestados pelo dia a dia contemporâneo. O mundo e sua ordem e dinâmicas vigentes despertam emoções, violência, stress, preocupação, transtornos psicológicos, insegurança, entre outros sentimentos frequentes naqueles que habitam as aglomerações urbanas em suas perspectivas econômicas, psicológicas, sociais, políticos, ambientais, entre outras.

Os processos de formação que constroem a percepção e sensação que os sujeitos possuem da cidade se modificam conforme seu olhar e experiência; os trabalhadores podem perceber e sentir o espaço urbano de maneiras distintas, visto que sua experiência é afetada devido à dificuldade de locomoção existente causada por longas distâncias e valor tarifário do transporte público; já um cadeirante tem sua experiência de cidade afetada devido à acessibilidade inadequada das vias e calçadas que compromete sua mobilidade e sua ocupação do espaço urbano.

Os elementos espaciais, administrativos, sociais, políticos e subjetivos que se produzem nos arranjos urbanos fixam sentidos de urbanidade que expressam códigos e condutas de como viver e sobreviver à cidade. Porém, como o contato com a diferença se torna ao mesmo tempo que inevitável e também um desafio nos espaços construídos no território urbano, a transgressão se torna sempre possível através da desinstitucionalização da cidade.

Diante de um desenvolvimento voraz, aonde o consumo se torna a lógica e para onde tudo é direcionado, alguns sujeitos no espaço urbano passam a ansiar um retorno para quando tudo era diferente das realidades atuais; uma fuga da cidade alienada e deteriorada; um retorno para um local aonde a natureza se torna o bem-viver perdido, ou aonde se encontra a naturalidade que o espaço urbano não possui, mas por pouco tempo, ou até mesmo nunca, pois o campo e seus significados ficam cada vez mais distantes e estranhados para os habitantes das cidades.

A relação entre as pessoas ou a interação social é um conjunto de produções humanas que ao serem analisados podem expressar como as condições sociais e os fatores situacionais influenciam o comportamento, pensamento e sentimento dos indivíduos, construindo assim a realidade social e os próprios indivíduos. Não há indivíduo em situação de interação e não interação, como todo homem é um ser social é na interação com outras pessoas, através da apropriação da realidade e dos instrumentos e aprendizados humanos que cada um se constitui e permanece em constante estado de transformação.

A vida em sociedade interfere nos padrões de pensamentos dos sujeitos, e as modalidades de sofrimento mental na contemporaneidade possuem vínculo com os processos urbanos e sociais, ou seja, há uma natureza social no fenômeno psíquico.

A subjetividade produzida na modernidade não é uma estrutura essencial do ser humano, mas sim uma construção histórica e social. O modo de subjetivação contemporânea dominante é individualizado, e o capitalismo realiza grandes investimentos na produção de determinadas subjetividades; um exemplo disso é a construção dos sujeitos consumidores. Ou seja, as subjetividades e o mundo psíquico pode ser moldado para atender características e interesses, causando grande influência sobre o desenvolvimento emocional dos indivíduos.

A dinâmica e rotina das grandes metrópoles, com seus ruídos, percursos, sensações e tantos outros itens que as compõem, invadem o espaço físico e mental sem aviso prévio e suas consequências muitas vezes não são questionadas ou percebidas de imediato, mesmo que exija atenção e esforço mental.

Nas últimas décadas, os distúrbios mentais têm sido os responsáveis por um número crescente de mortes e adoecimentos, principalmente nas grandes cidades; que possuem previsão de receber 70% da população até 2050; causando um aumento de estudos que relacionem planejamento urbano, arquitetura e saúde mental, para compreender qual o papel das cidades no desenvolvimento de transtornos mentais e como a vida nos grandes centros afeta o cognitivo dos habitantes.

Algumas pesquisas com esse objetivo, mesmo observando diversos marcadores como áreas verdes, densidade urbana, utilização do solo e acessibilidade; não levam em conta as especificidades dos bairros e nem a desigualdade social e de classe, o que acaba produzindo resultados com grandes lacunas, já que os contextos locais e a renda dos habitantes é determinante para compreender quais dificuldades enfrentam e como e aonde elas são mais incapacitantes e problemáticas.

As interações e relações sociais no espaço urbano que envolvem dinheiro se banalizam, distanciam, quebram e desenraízam o sujeito dele mesmo, empobrecendo a vida urbana e comprometendo sua autonomia e individualidade; já que o sujeito metropolitano subjetiva a economia mercantil e a traduz para a área psíquica.

Os indivíduos desenvolvem ferramentas para lidar com as problemáticas psíquicas da vida urbana e moderna como autonomia, individualidade, estímulos nervosos e intensidades, que si diferem das condições da vida rural.

O dia a dia nas cidades é estressante e repleto de desafios que se modificam de acordo com a localidade específica, mesmo que haja uma lógica na totalidade, portanto a saúde mental dos habitantes das cidades deve ser considerada na realização de políticas públicas urbanas.

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