[CINCO E MEIA DA MANHÃ]

Jordana Machado
3 min readOct 31, 2017

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“Eu vejo tudo e ninguém me vê.”

Deixou gotas de sangue no meu lençol. Mas o que foi levado de mim não foi a primeira vez que levaram, e a gente sempre espera que seja a última. No início até parece ser a derradeira, mas depois o filme se repete. Tem quem goste de ver filmes repetidos. Aqueles que passam de tarde na TV, aqueles que anestesiam a sua mente por algumas horas, te fazendo esquecer um pouco do mundo lá fora ou do próprio mundo que a gente cria dentro da nossa cabeça. Mas quem escolheria ver um filme merda? Eu, você, todo mundo. A gente fica repetindo coisas, comportamentos, sensações, impressões, resoluções. A porra da nossa vida não passa de um repeat de Lagoa Azul.

Hoje sonhei que eu saia de um bar devendo 35 reais. Talvez devesse jogar no bicho. Vou apostar minha sorte, vou apostar todas as minhas valiosas fichas no cachorro. Um cachorro sarnento que foi picado por pernilongos durante à noite, e se coçou até manchar a cama de sangue. Colocar a melhor ração existente na tigela de um cachorro e ele se recusar a comer é algo que nenhuma racionalidade dá conta de explicar. Não jogue pérolas aos porcos, jogue lavagem. É o que diria o ditado e a canção.

Acabei de acordar e não consigo levantar. Vou acabar te atrasando. É melhor você ir sem mim. Desculpa. Na verdade eu deveria ter dormido com você. Hoje quase tive um enfarte. Eu ia morrer sem te ver.

Será que quando estou acordado eu realmente não estou dormindo? Talvez eu esteja me arrastando por aí sem conseguir me levantar, não sei. Talvez eu cuspa nos pratos que eu como, ou morda as mãos que me estendem, como um cachorro ingrato e vagabundo. Eu nem consigo entender porque as pessoas sentem a minha falta, se raramente eu estou aonde elas estão. Quando estou com elas só o meu corpo está ali, às vezes nem isso. Nem sei aonde estou, mas aparento saber.

Meu tempo é o relógio do mundo. Meu braço direito é um pouco menor que o esquerdo, consegui perceber isso através da diferença na manga dos casacos, mas talvez eu só estivesse sob efeito do álcool e tenha imaginado isso. Com o esquerdo eu marco o tempo dos minutos, e esse é o tempo dos outros. Aquele tempo que se arrasta, que demora, que está à mercê de algo maior. Com o direito eu marco o tempo das horas, e esse é o meu tempo. Aquele que impera, aquele que crava, aquele pelo qual todos esperam, aquele pelo qual eu peço pra entenderem. Esqueço o relógio na casa das pessoas e ele apita todo dia às cinco e meia da manhã, e é dessa forma que literalmente passam a viver o meu tempo, aprisionados na ampulheta da minha memória.

Vamos nos encontrar umas seis horas? Mas por que você acordaria tão cedo num domingo? Pra gente tomar um café. Mas você nem gosta de café. Você muda de ideia de cinco em cinco minutos. Descobri que você não esta no leme, você é o próprio oceano. Peguei os remos e sigo com uma braçada pra frente e duas pra trás, porém, saindo da Bacia de Guanabara sentido Fernando de Noronha.

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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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