[CARTA-MODELO PARA SITUAÇÃO BAGUNÇADA]
Demorei a responder porque na verdade não sabia o que responder. Não que agora eu saiba exatamente. Começo desejando (e não somente agora) toda resistência e recuperação ao seu pai, que é uma baita de uma figura. Não diga a ele que eu ainda não parei de fumar.
Nossa interação sempre foi um tanto quanto estranha. Talvez essa não seja a palavra, você pode colocar outra no lugar se quiser. Muitas coisas eram meio misturadas e não muito claras. A gente nunca soube ao certo o que esperar um do outro. Não que na maior parte das interações a gente sempre saiba o que esperar, muito pelo contrário. Eu posso estar muito enganada, mas eu acredito que em alguns momentos você me via como uma mulher (sim, nesse sentido), e isso se misturava com as nomenclaturas de amiga, irmã, e então a gente não sabia mais do que se tratava.
Não sei se você já ouviu falar numa expressão/conceito que se chama ‘frequência afetiva’. Basicamente significa o tanto e o como expressamos nossas emocionalidades em relação a alguém, qualquer pessoa. A coisa é que isso é uma encruzilhada, porque ora a gente pode ou tem de simplesmente aceitar o tanto e o como as pessoas ao nosso redor nos são recíprocas, ou se dividem conosco de alguma maneira; ou ora as pessoas podem de fato estar dando uma cagada para nós, então está aí a encruzilhada, tem dias que interpretamos as ações das pessoas em relação a nós de uma forma, e em outros dias de uma outra maneira. Pode não ser nada disso, também. O sistema é foda.
Também posso estar enganada novamente (perceba que estou colocando coisas no sentido de não afirmação, porque se passou muito tempo e eu sou incapaz de reconstruções fiéis, e o tempo, bom, o tempo mesmo quando atual é arisco; portanto coloco lembranças e palpites), mas eu sempre senti que você esperou de mim mais do que talvez eu pudesse lhe dar.
E acredito que não porque eu não quisesse ou pudesse dar, mas sim porque eu não sabia o que você queria, assim como continuo não sabendo o que você quer, já que me mandou uma frase dizendo que não estava disposto a me perder, como se ainda houvesse algo entre nós.
Fiquei bem sentida em saber da saúde do seu pai, mas isso não me fez deixar de achar que você foi um baita cuzão em só entrar em contato quando uma água muito gelada e injusta batia na sua bunda, mas também me fez constatar que realmente, no fim, acabamos procurando as pessoas que temos de alguma forma uma referência emocional. Bom, acredito que agora também nem seja o momento de apontar quem foi cuzão e quem não foi, até porque eu sou uma das últimas pessoas que pode fazer isso. Essa coisa de me sentir cuzona em relação a você muitas vezes, deve ter vindo disso, de eu não saber o que ser pra você. No fim das contas a gente se cobra muito, e cobramos muito das outras pessoas, no fim das contas também somos educados e levados a nos distanciar das pessoas, barreiras que nos impedem de nos relacionarmos.
Muita coisa aconteceu durante esse tempo todo, bem sabemos que já não somos as mesmas pessoas. Eu tenho um pouco de dificuldade em lidar com pessoas que eu fico muito tempo sem ver ou me relacionar, e isso não foi só porque eu estou longe, mesmo aí eu já tinha essa dificuldade com papos de elevador, perguntas repetidas e vazias, e toda ordem de coisas desse tipo. Tenho essa dificuldade porque poucas pessoas entendem ou aceitam que as pessoas mudam (não totalmente, evidentemente), e após um tempão elas pensam que somos os mesmos, e se agimos diferente do que elas acham que somos (que nada mais é que a lembrança de quem fomos um dia) aí a coisa fica complicada, desencontrada. Não sou mais a mesma pessoa, você não é mais a mesma pessoa. Tenho muito respeito por você, porque tenho absoluta certeza que apesar de todas as mudanças possíveis, ainda fica em nós sempre alguma coisa, e meu respeito existe por saber que em você restou a imensidão de um menino-homem que pensa e que sente, coisas tão raras ontem e hoje, e isso é maravilhoso.
Não tenho a intenção de fechar nenhuma porta com essa carta, mas também não tenho a intenção de abrí-la, porque a quantidade de lubrificação presente nas dobradiças das portas das interações nem sempre podem ser repostas da maneira que imaginamos, e também essas dobradiças dependem de muitos outros fatores que nem sempre dependem apenas da nossa força e vontade ao girar a maçaneta.
Tenho muito a agradecer você.
Todas as coisas boas e úteis estão guardadas.
Tenho também muito a me desculpar, e sobre isso é só você quem vai saber. Eu sei de algumas.
‘O futuro é uma astronave que tentamos pilotar’.
Toda resistência e sagacidade em seus caminhos.
Até qualquer dia.
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