[CARTA-MODELO PARA DESILUSÕES REPETIDAS]

Jordana Machado
4 min readOct 1, 2019

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As situações repetidas cansam, né. Eu sei.
Você é ligêra e sagaz, mas vez ou outra tropeça no mais do mesmo.
Então eu preparei aqui essa carta-modelo-para-feministas-que-estão-esperando-uma-resposta. É, sabe quando você já sabe que a pessoa é vacilona mas ainda espera um retorno, uma explicação, algo que fundamente o óbvio?
Dá aquela vergonha, né. Você fica se perguntando aonde foi parar todas as coisas que leu, todas as histórias, os exemplos. Quando você pensa que já sabe tudo o que precisa e que isso seria mais do que o bastante pra fazer a Rosa Luxemburgo ou a Alexandra Kollontai terem quisto andar com você no recreio: BÃÃÃÃNNNN.
Acontece, não se culpe. Vai acontecer de novo. Eita. Melhore, viu.
É um texto pra ômi, desculpa. Mas pode adaptar os gêneros aí de acordo com sua necessidade, fica a vontade.

Oi, fulano. Seu cagão.
Oi, fulano. Seu zuado.
(o adjetivo fica a seu critério)

Quando as coisas estavam em vias de acontecer havia uma super presença, mas depois que aconteceu as conversas rarearam. A maioria aconteceu apenas pela minha insistência suicida e patética.

Eu estive me esforçando bastante pra acreditar que o problema é a sua lua; ou então que às vezes as pessoas estão passando por coisas e momentos que nem imaginamos (porém isso não nos obriga a ter bola de cristal); ou então que as pessoas não são obrigadas a nos corresponder em nada, muito menos corresponder do jeito que achamos que significa corresponder; ou então que esse ou isso é o seu jeito.

Você até chegou a assumir algumas questões que permeiam a cômica fragilidade masculina, mas eu nunca imaginei que você fosse jogar comigo, e eu tô bem de cara com isso. Mesmo que essa talvez não seja sua intenção, suas ações ou não ações acabam levando você e minha interpretação à isso.

Acho que uma vez você disse que se afasta pra não estragar as coisas, pra elas não crescerem além do controle, para não haver decepções, ou algo do tipo. A sua simples existência é um estratosférico pacote de fermento em constante explosão, ou seja, nem é necessária a sua presença para que as moléculas de ar na atmosfera se transforme num caótico trânsito de densas bolhas desobedientes.

É claro que eu te falei várias coisas que certamente te deixaram em choque, mas eu nunca tô nem aí pra esse tipo de coisa; você acha que eu vou ficar fingindo que não sinto coisas só porque isso pode assustar as pessoas ou só porque elas podem não acreditar ou não verem nenhum sentido lógico ou racional em nada do que eu disser; e/ou ainda diminuírem ou aumentarem o que eu digo conforme a interpretação delas? Eu sempre paguei preços bem altos pra ser eu mesma, e eu pago, nota por nota, sem hesitar.

Sei que a nossa existência se baseia em maravilhosas metáforas, mas se você tivesse sido pontualmente claro e direto comigo (olha, eu gosto de uma pessoa, olha, eu não estou num momento propício, olha, eu quero só experimentar mesmo, olha, eu não sei o que eu quero, olha, eu também estou com outras pessoas, olha, foi legal mas é só isso daí mesmo, olha, eu estou cabreiro, etc) em algum momento, muito disso aqui teria sido evitado, como por exemplo a minha forte tendência em achar que você é só mais um cara fantasiado de confuso e ponderado, mas que no fim é adepto dos clássicos e cansativos joguinhos da pós modernidade; quer dizer, o meu lado inocente acredita que você tem medo de um mulherão da porra, e o meu lado racional e feminista acredita que você é só mais um babaca que come uma mina e sai andando.

Será que foi tudo isso mesmo? Será que é tudo isso mesmo? Eu problematizei isso até a exaustão e cheguei a conclusão de que é isso mesmo, e que é isso tudo mesmo, você é filhadaputamemte encantador e eu te odeio por isso; ver você escapando das minhas mãos muito mais do que o de sempre e há anos me faz pensar que tudo era melhor quando era platônico; porque quando era platônico era perfeito, e agora que não é mais eu já posso sentir coisas como frieza e sacanagem, mesmo que eu ainda me recuse a acreditar que isso possa mesmo ser real.

Eu estava quase disposta a ficar em silêncio só pra ver até aonde ía dar, mas eu também me recuso a ficar no seu banco de reserva até que você se lembre de mim num dia de tédio ou vênus em alta.

Eu não gosto de portas entreabertas.

Talvez esse texto seja eu fechando a porta com uma bela bicuda, na tentativa de exterminar as angustiantes expectativas de um contato que nunca chega, de uma verdade que nunca descubro, de um silêncio que nunca entendo (ou finjo não entender).

Mas suas mãos estão na maçaneta, se você quiser abrir e me jogar a real eu sou toda olhos.

Com carinho,

Insira-seu-nome-aqui

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Jordana Machado
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