[BAGACÊRA ABSURDA: GOSTAMOS]
Faz assim, vai descendo aqui ó, desce mesmo, pode ir, é lá na parte baixa, aí você quebra na quarta direita, é bem no começo da rua, em frente ao posto de gasolina, logo você vê uma portinha estreita com uma escada, desce lá, pode ir lá que tem sinuca. A avaliação foi de que o itinerário e a explicação estavam até que ok, a pessoa parecia saber o que estava falando, mas como isso é perigoso tratando-se de humanos, e mesmo estas sendo conclusões genéricas e portanto carregadas de uma possibilidade significativa de dar merda; não tinha o que ser feito, eles não tinham muito mais com o que trabalhar e toca todo mundo pela ladeira, confiando que alguém se lembraria de contar as esquinas até chegar na de número quatro.
Pelo que o moço da informação falou, parecia ser bem perto, mas as paradas foram muitas, com destaque para todos os poetas que vocês poderiam dar uma olhadinha na minha arte, o que despertou comentários internos de nossa queria ter essa coragem e despretensão mas eu sou trouxa; e também todos os posso desenhar esse lindo casal, o que despertou comentários externos de não, não, não somos um casal, e comentários internos de não somos um casal mas eu queria muito que fosse. Mas o assombro mesmo foi ver que as banquinhas de filme tinham coisas como Almodóvar. Quê isso, onde já se viu, eu nunca vi, cadê os Rei Leão, cadê os Velozes e Furiosos número 232. Na banquinha seguinte, meu deus, não acredito que ainda vendem isso, é perigoso demais, nossa. Sabe aqueles documentários que fazem os jovens começarem a discutir com os pais em casa ou começarem a recusar convites pra churrasco? Aqueles documentários lá, você sabe, A carne é fraca, Zeitgeist e Terráqueos. Então, esses. Vou querer, moço. Um de cada. Vou passar pros meus aluno tudo e vou perder o emprego, certamente. Na reunião de pais alguém não se conforma, meu deus, meu filho deu pra usar boina agora, coitado, e porquê, não entendo, tão bonito o cabelo dele.
Olha ali a portinha com a escada. Cerveja trincando, aí sim, e aí sim minha garganta amanhece trancada. Pessoal entrando de dupla no banheiro e ficando meia hora lá dentro, é narigada que chama né, pode ser sexo também vai saber; ah eu não nasci pra usar droga não, eu gosto da ilusão de que tenho o controle de mim e das coisas, prefiro leite condensado e marlboro light e sexo também, mas não todo dia porque né, isso não existe, tenho mais o que fazer. Estão presentes também os ovos de codorna entrando em mutação dentro daquele vidro que um dia já foi um pote de pepinos em conserva. E claro, os torresmos que estão ali na estufinha desde o verão de 1986, que ano amigos, que ano. Vai mais uma? Opa, vai sim. Você percebe que tá num bar relíquia quando olha pra pia e vê que tem aquele utensílio de lavar copo americano; e ele consiste num recipiente de plástico com uma espécie de escova dentro, parece aquele negócio de limpar mamadeira; o cara vai e enfia o copo ali, dá uma passada sem vergonha na água, tome escorredor e seus anticorpos que lutem. Você percebe que está no bar em um dia que não deveria estar quando vai no banheiro e tem papel higiênico, e nenhum vestígio de vômito, de modo que sua preocupação com a barra da calça despenca para 10%.
Tem trocado aí, vou ali na jukebox. Pra usar jukebox tinha que ter uma espécie de permissão legal institucionalizada, porque tem gente que acha que jukebox é o seu Spotify. Não é, querido. Não estamos interessados em saber que você é tão especial que prefere Paralelas, do Belchior, em vez de Apenas um rapaz latino americano, como qualquer pessoa normal. Já estamos percebendo pela sua roupa que você é mesmo underground, jamais questionaríamos que você frequentou mesmo a universidade, e filtro dos sonhos, Marx, paiêro e casaco de veludo, isto tudo é visível, botamos fé, parabéns pra você, gostamos, legal, não, não é ironia, porra tá vendo como leituras e documentários deixam uma pessoa persecutória e traumatizada, estamos sendo sinceros, eu te entendo, é normal, eu também, olha aqui a minha bolsa que underground, viu, faltou só um botton da Rosa Luxemburgo, mas eu acho botton muito feio, enfim, agora não é hora de você ir lá no pré-sal do Caetano e muito menos do Noel Rosa, agora é hora de, sei lá, Diogo Nogueira, isso, perfeito, Pé na areia, do Diogo, vai lá. No máximo um Queen quando todo mundo já estiver bêbado o suficiente, e eu sei que você assistiu o filme esses dias e Bohemian Rhapsody se enfiou na sua cabeça feito piolho. Mas tudo bem, seja o que deus quiser, tó 2 reais, vai lá, mostra como é que se faz, não me desaponte. Moço, vê 3 amendoim aí fazendo o favô, com pele né, claro que é com pele, porque se esse abençoado me colocar um Novos Baianos que seja eu quero ver ele reclamar desse fiapo de salgadinho no meu dente, ah eu quero vê.