[AS PALAVRAS INCÓGNITAS]

Jordana Machado
2 min readJul 14, 2020

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Vamos, diga logo o que está pensando! Primeiro disparou a frase sem exclamação, com aquele ar de quem tenta segurar o autodemônio à toda dentro de si, mas o demônio escapa e a exclamação vem, e as paredes de sua casa mental tremem, tudo ali dentro começa a cair no chão, os copos se desempoleirando das prateleiras, os lençóis se chicoteando no varal, tudo caindo, as ferramentas, os avisos, as decências, os tinos, tudo. Notem que numa cena como essa, o exclamador é a própria exclamação, está ereto, pronto, decidido, pretende-se fixo feito um tronco, indestrutível, vistoso, atuante. Uma exclamação se parece bem como uma faca espetada no meio duma mesa de madeira. Alguém querendo respostas, pulando os conhecidos passo a passo, deixando as beiradas e se atirando às cegas até os miolos dos acontecimentos, pisando de qualquer jeito no cimento fresco, talagando uma colher de sopa sem assoprar. Dezoito horas no sino da igreja, e o metal, o ácido, o agudo daquele lembrete de que havia tempo, o mundo lá fora continuando às voltas com seus números sem se importar com nossas pretensões de medições, e métricas, e cálculos fantásticos. Era o tempo, e ele estava constantemente sendo contado, sendo tirado de um canto e colocado noutro, observado, dirigido, e soava ali como uma literal contagem que se materializava no pé que balançava, os olhos pulando de coisa em coisa e me evitavam, os cigarros sendo fumados, o acúmulo das palavras que nascem das esperas, o ar que se puxa e já não vem, ou também quando se esquece de chamar o ar e então ele não vem, surgindo um afogamento dentro do próprio peito que agora bate, mas depois não se sabe, nunca se sabe. Querer saber tudo é a nossa ruína, e disso fingimos não saber. Saber, saber de tudo, acumular o saber, tacar o saber nas caras do mundo quando convém, por puro tacar, ou para ganhar um trocado mensal. Futucar o saber, curiar o saber, desbastando, enfiando o dedo, até que surge, e sai sangue como uma ferida, o exato e prazeroso instante que rapidamente se transforma novamente em um não saber, e de novo não saber o que fazer com aquilo que tanto procurou.

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Jordana Machado
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[Literatura entre colchetes] Instagram: jordanamachado1

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