[AONDE ESTÃO OS SONHOS SIMPLES?]
Era mais fácil se concentrar, entende. Quando nos caía um dinheiro nas mãos descíamos sem preguiça e sem medo a ladeira que nos levava ao nosso paraíso das compras simples. Com meu primeiro salário comprei o CD Cássia Eller Acústico e não me recordo de ter passado outro melhor tempo comigo. Parece que foi realmente há poucos dias, me lembro até a roupa do dia, as meias brancas no carpete verde que ainda existe. Não havia preocupações sobre ter que limpar o carpete, ou planejar ter dinheiro o bastante para trocar o carpete por piso, ou então praguejar contra o carpete porque anos depois descobri que tenho asma. Se eu soubesse que teria asma será que eu teria fumado aquele primeiro cigarro escondido numa colônia de férias em Caraguatatuba? Provavelmente sim. Com meu salário desse mês eu paguei inscrições para provas, a conta de luz e de telefone, chocolates e o sonho de um chuveiro que pareça uma cachoeira. O caminho que se percorre entre a fé absoluta em qualquer coisa megalomaníaca e a derradeira dúvida sobre aonde estão os sonhos simples. A necessidade criada e desenvolvida de ser alguém e quem é esse alguém que não está aqui e quando é que vai chegar. Perguntas em frente ao espelho.
Enfiaram na cabeça das pessoas que elas são especiais. A conta disso vai saindo cada vez mais cara. Os especialistas dizem que é por conta disso que as crianças vão crescendo umas insolentes, rumo a uma maior idade desajustada. Especialistas devem ser um tipo especial de pessoas especiais. Eles sabem de um bocado de coisas que nós parecemos não saber. Então nós devemos ser um tipo de pessoa com alguma outra especialidade não tão especial assim. O sistema é algo ordeiro, não pode haver bagunça ali pelos mecanismos, mas ele parece gostar do perigo e te faz acreditar que pode acordar com uma luz brilhante e única ao redor do seu rosto amassado no espelho às cinco da manhã porque é, você precisa ir trabalhar caso queira comer algo quando voltar para uma casa que precisa estar lá quando você chegar.