[A HISTÓRIA DAS MÃOS]
‘Todos os dedos, todos os dedos, onde estão, aqui estão.’
A história de todas as sociedades até hoje existentes
é a história de um cabo de guerra.
A história da humanidade foi transformada por mãos.
E tudo pode ser basicamente resumido no que foi segurado ou descartado por elas.
Quanta força foi feita para segurar ou largar alguma coisa.
É como se uma linha oculta dividisse o mundo.
Muitas mãos puxando de um lado e muitas outras puxando de outro.
E a corda arrebentando no lado mais fraco.
Porém, um poeta disse que uma gota de água pode te afogar se você não aprendeu nada com a sede.
Ou que algumas toneladas de formigas caindo na sua cabeça
equivaleria ao impacto de uma queda do vigésimo andar de um edifício.
Se alguém fizer uma analogia entre um corpo humano e uma árvore
dirá que os pés são as raízes e que as mãos são os galhos.
Geralmente são nos galhos que estão os frutos.
São das mãos-galhos que nascem os ganhos e resultados.
O adequado seria que cada árvore gerasse o quanto pudesse
e que servisse à necessidades.
Mas então o tempo foi passando
e foi acontecendo muitas coisas.
Até que as árvores foram obrigadas a fazer mais do que podiam
pra servir mais do que o preciso.
Poucas pessoas passaram a se lambuzar com os melhores frutos.
Enquanto a maioria esfregava a boca no chão
e mordia uns aos outros
quando não conseguisse alcançar o resto do que quer que fosse.
As mãos contam uma parte importante do nosso processo evolutivo.
O fogo
A roda
As figuras nas paredes das cavernas
As grandes navegações
Os moinhos de engenho
Açúcar
Café
Enxadas
Máquinas
Armas
Robôs
Bonecas infláveis
As mãos se levantam em prece.
Ordenam linhas de produção.
Apontam os pecados.
Contabilizam lucros.
A benção desconhecida dos céus.
A mão invisível do mercado.
Levamos a mão à boca para pedir silêncio.
O dedo indicador em riste toca os lábios.
A palma impede a entrada e a saída de ar até a mudez total.
Músicas censuradas.
‘Na madrugada da favela não existem leis, talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez’.
Chupamos os dedos
Roemos as unhas
Tateamos no escuro
Produzimos carros
Colheitadeiras
Choferes
Capatazes
Cliques
Likes
Deslizamos dedos em barras de rolagens
esperando palavras que não chegam.
Acarinhamos rostos que desaparecerão em um mês
sem explicação
sem adeus.
‘Apedreja essa mão vil que te afaga’.
Mais fácil do que roubar um doce
da mão de uma criança.
Abusamos de corpos que padecerão por toda a vida.
Folheamos livros que não entendemos.
As mãos que dizem vem também dizem vai.
‘A mão que afaga é a mesma que apedreja’.
Será que um dia a biometria vai conseguir identificar o que cada um de nós sente por dentro?
De madrugada na rua é mão na cabeça.
De manhã no metrô é mão na bunda.
Entrelaçamos as mãos.
Arremessamos bolas e bombas.
Balançamos berços.
Apertamos gatilhos.
Aplaudimos canalhas.